São Paulo, Sexta-feira, 31 de Dezembro de 1999


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Sem verba, cine nacional pode minguar em 2001


Captação de recursos para novos filmes em 99 deve ser menor que nos últimos dois anos, reduzindo a produção em 2000 e as estréias em 2001


DANIEL CASTRO
da Reportagem Local

CRISTINA GRILLO
ISABEL CLEMENTE
da Sucursal do Rio

Considerado o cineasta vivo mais importante do Brasil, Nelson Pereira dos Santos desistiu de rodar seu próximo filme, "Guerra e Liberdade: Castro Alves em São Paulo", um projeto inicialmente orçado em R$ 7 milhões.
Motivo: falta de dinheiro. Santos esperava captar os recursos na iniciativa privada. Acabou arrecadando apenas R$ 1,5 milhão, dinheiro que agora deverá ser usado na minissérie "Casa Grande e Senzala", para o canal pago GNT.
O caso de Nelson Pereira dos Santos é emblemático do momento pelo qual passa o cinema brasileiro. Depois de ruir em 1990 com o fim da estatal Embrafilme, o cinema nacional começou a se reerguer em 1995, graças às leis federais de incentivo fiscal Rouanet e do Audiovisual.
A evolução da captação de recursos com base na Lei do Audiovisual -mecanismo que permite investir até 3% do Imposto de Renda devido na produção cinematográfica-, nos últimos anos, dá uma idéia do que está se passando. Em 95, o percentual captado equivalia a 44% das emissões autorizadas pela Ministério da Cultura naquele ano.
No ano seguinte, o percentual, usando a mesma comparação, caiu para aproximadamente 35%. Em 1997, para 25%; e em 1998, para 15%, o que leva a um engarrafamento de projetos.
Os dados de 1999 ainda não estão fechados. Faltam os números relativos a dezembro, mês que tradicionalmente concentra o maior movimento das empresas, que, tendo fechado seus balanços, definem quanto podem investir utilizando mecanismos de renúncia fiscal.
Alguns motivos são apontados por especialistas como responsáveis pela redução na captação. O primeiro é a grande quantidade de projetos no mercado, em busca de recursos.
"Fica claro que não tem espaço para todo mundo", diz Mauro Sérgio Oliveira, da Oliveira Trust, distribuidora de títulos que tem coordenado a captação dos filmes de Luís Carlos Barreto.
Já outro profissional do mercado não vê a concorrência como a raiz do problema, apesar de concordar que não há recursos para todos. "Ter muito projeto não é problema, faz parte do jogo", diz Regina Werner, superintendente comercial da corretora Stock-Máxima, que gerenciou a captação do filme "Orfeu".
Para ela, o mau uso do mecanismo, como projetos que não saem do papel e cineastas que não prestam contas da utilização dos recursos, é que precisa ser evitado.
Soma-se à enxurrada de projetos a crise econômica, que levou a uma retração dos investidores neste ano. Também pesa a ansiedade das empresas diante do retorno mais demorado do marketing cultural de um filme, segundo Leonardo Barros, sócio da Conspiração Filmes.
"Cinema, no jargão do meio, é 48 por 48. Leva 48 meses para produzir e 48 horas para mostrar se valeu a pena. Um filme é lançado na sexta, e, no domingo, a gente já sabe se vai dar certo ou não."
Talvez por esse mesmo motivo as empresas estejam reduzindo a cota que direcionam para um único projeto, de acordo com os produtores.
Em 1997 e 1996, algumas empresas chegavam a colocar R$ 1 milhão num único filme usando a Lei do Audiovisual. Hoje, os produtores consideram exceção um investimento de R$ 500 mil.
"Isso é resultado da disputa do próprio mercado. A tendência é reduzir o lote", diz Mauro Sérgio Oliveira.

Minguando
Mesmo somando-se os recursos obtidos pela Lei Rouanet para produções cinematográficas ao total captado pela Lei do Audiovisual, a queda se mantém. Depois de captar R$ 112,1 milhões em 97, os produtores nacionais só conseguiram arrecadar R$ 70,9 milhões no ano seguinte (queda de 36,8%).
Neste ano, os esperados efeitos em cascata da indicação de "Central do Brasil" ao Oscar não se confirmaram. As estimativas do mercado apontam para uma captação entre R$ 60 milhões e R$ 70 milhões, considerando as duas leis de incentivo fiscal.
Até 30 de novembro, haviam sido investidos apenas R$ 27 milhões, número que vai subir com o encerramento do ano.
É bom lembrar que, pela Lei do Audiovisual, os produtores têm até três anos para completar a captação de recursos no mercado. A captação num ano reflete, e muito, projetos que já estão circulando há mais tempo.
Para 2000, por exemplo, está prevista a estréia de 23 longas nacionais, a maioria deles fruto do "boom financeiro" de 97.
Daí que a grande consequência dessa queda nos investimentos deve ser percebida a partir de 2001 se o quadro permanecer igual. Com menos dinheiro, haverá mais filmes inconclusos e mais projetos que não saem do papel.
Segundo a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), órgão que fiscaliza o mercado financeiro, até ontem 106 projetos (entre filmes, documentários e programas para TV) tinham sido aprovados em 99. Esses projetos pretendem arrecadar, via Lei do Audiovisual, R$ 140,6 milhões.


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