|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
Furtado funde investigação policial e despertar erótico
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Se um filme como "Olga" leva
para a tela grande o que a TV
tem de pior -a simplificação maniqueísta da história e dos personagens, a ênfase melodramática, a
redundância expositiva-, o cinema de Jorge Furtado mostra que o
diálogo entre os dois veículos pode ser muito mais proveitoso.
Em "Meu Tio Matou um Cara"
reencontramos a agilidade narrativa, o naturalismo da dramaturgia e a comunicação direta com o
público que Furtado exercitou em
seu trabalho como roteirista e diretor na Globo. Mas quem conhece a obra do cineasta, de "Ilha das
Flores" a "O Homem que Copiava", sabe que ele não é um mero
contador de histórias.
Com um uso esperto da locução
em "off" em contraponto às imagens (e não em redundância com
elas), lançando mão do flashback
e da repetição para problematizar
o que está sendo exposto, Furtado
é daqueles ficcionistas modernos
que, ao narrar, questionam a própria narração.
Em "Meu Tio Matou um Cara"
esse questionamento se dá sobretudo na contraposição entre o que
relata o tio supostamente assassino (o ótimo Lázaro Ramos), e o
que vai deduzindo seu sobrinho
Duca (o mais que ótimo Darlan
Cunha). Mas há, claro, outras narrativas submetidas à crítica: a da
namorada do tio, a do melhor
amigo de Duca etc. Todas as histórias são suspeitas em "Meu Tio
Matou um Cara".
É possível ver o novo longa de
Furtado como uma síntese entre
os dois anteriores, fundindo o tema do primeiro (as aventuras e
descobertas da adolescência) com
a forma do segundo (a construção
descontínua e, em certa medida,
conceitual).
É um filme que deve atingir em
cheio o público, sobretudo o jovem, por desenvolver de modo
divertido um tópico que já era caro a Freud e que Hitchcock soube
explorar muito bem: a analogia
entre a investigação policial e a
aventura erótico-afetiva.
Ao mesmo tempo em que Duca
e sua amiga Isa (Sophia Reis) investigam as pistas do crime, vão
descobrindo também seus próprios afetos e pulsões.
Dois momentos são particularmente inspirados no que diz respeito à reflexão sobre a linguagem
ficcional e a representação da realidade.
No primeiro deles, Duca, ao repassar mentalmente o suposto
crime do tio, imagina aquela clássica fila de suspeitos para identificação na delegacia.
À medida que seu raciocínio sobre o caso evolui, o assassino
identificado vai mudando, até
que, numa fusão entre o caso policial e os temores íntimos do garoto, quem fica no centro da fila,
apontado por todos os dedos, é o
casal Duca-Isa.
Mais adiante, outro achado é a
seqüência de fotos feitas por um
detetive particular mostrando
uma suposta traição da amante
do tio (Deborah Secco) com um
rapaz. Modificada a ordem das
fotos, a série "prova" a inocência
da moça. Não pode haver ilustração mais clara sobre o papel essencial da montagem no faz-de-conta do cinema.
Com tantos elogios, não estará
faltando uma estrela na avaliação
aqui embaixo? É que, de Jorge
Furtado, sempre se pode esperar
um pouco mais.
Meu Tio Matou um Cara
Direção: Jorge Furtado
Produção: Brasil, 2004
Com: Darlan Cunha, Deborah Secco, Lázaro Ramos
Quando: a partir de hoje nos cines
Central Plaza, Bristol e circuito; amanhã
nos cines Espaço Unibanco, Iguatemi e
circuito
Texto Anterior: "Veterano" divide a cena com estreantes Próximo Texto: Popload: Vinte razões para amar o 2005 pop Índice
|