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Mofando há 50 anos em SP, acervo de arte japonesa corre risco

Projeto de R$ 1 milhão para salvar 205 peças foi aprovado pela Lei Rouanet, mas nenhuma empresa se interessou

Atualmente, a coleção de arte em laca está guardada em armários no Horto Florestal, longe do acesso público

JOÃO PAULO CHARLEAUX
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

São Paulo está a poucos dias de perder o maior acervo em laca (urushi) da América Latina. A maior parte da coleção de 205 peças de arte japonesa está mofando há 50 anos em armários do Museu Octavio Vecchi, no Horto Florestal, longe do acesso público.

Para salvar as obras, a artista plástica japonesa Takako Nakayama e a museologista Roselaine Barros Machado aprovaram um projeto de quase R$ 1 milhão pela Lei Rouanet. Mas, até agora, nenhuma empresa se interessou.

"O fim de ano é o período de captação de recursos, mas não tivemos respostas", disse Roselaine, responsável pelo museu há 18 anos. O prazo se encerra no meio de 2012.

O conjunto de delicados quadros, potes, pratos, bandejas, mesa e biombo são considerados por Takako o melhor exemplo no Brasil do que os japoneses chamam de "koguei" -arte aplicada aos objetos cotidianos.

"Não é artesanato", diz Takako. "Os japoneses buscam aprimorar cada peça, que é considerada única. Não é produção artesanal em série."

Entre 1930 e 1970, o Horto abrigou uma escola de arte em laca japonesa. Os professores, imigrantes, plantaram ali sementes de charão trazidas do Vietnã. A planta -da qual corre a seiva usada para laquear objetos de arte- dá coceira.

Por isso, muitos pés foram sendo arrancados por frequentadores e funcionários.

Takako, que chegou ao Brasil em 2005, vê nas peças um registro da história da imigração japonesa. Ela conta que, para corrigir imperfeições da madeira encontrada aqui, foram usados pedaços de gazes de linho entre a superfície de madeira e as 50 camadas de laca, aplicadas com pincéis feitos de cabelo humano.

Algumas peças, com motivos chineses ou detalhes em madrepérola e ouro, revelam, segundo ela, uma tentativa de aproximar a estética oriental da ocidental. "Os brasileiros deviam achar a arte japonesa discreta e sóbria demais. Provavelmente, os alunos preferiam encher as peças com figuras mais vistosas", diz.

Outra ponte usada entre as duas culturas aparece nas peças com motivos cristãos, como a pomba branca do Espírito Santo ou cruzes.

A técnica reconstitui uma escola criada no século 16 no Japão, a Nanban Shikki. Quando os portugueses se encantaram com a arte em laca, artistas japoneses começaram a introduzir motivos cristãos, favorecendo a exportação das peças. "É espantoso reencontrar essas pontes 500 anos depois, no Brasil", diz Takako.

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