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Crítica conto

Carência de "espaço" tira brilho das narrativas do escritor

MARCELO PEN
ESPECIAL PARA A FOLHA

Podemos considerar o mais recente livro do escritor Cristovão Tezza como uma coletânea de contos ou como uma perseguição a uma personagem.

Criada com o nome de Alice no conto "Beatriz e o Escritor" (originalmente publicado como "Alice e o Escritor"), a personagem da jovem revisora de textos foi pouco a pouco, em narrativas subsequentes, ganhando corpo, adquirindo traços biográficos e psicológicos, assumindo uma densidade de que não dispunha, misteriosa com seus olhos verdes brilhantes.

Enfim conquistou autonomia a ponto de destacar-se como personagem de romance -o idílio claustrofóbico de "Um Erro Emocional"- em dueto com a figura do escritor Paulo Donetti.

Assim, Tezza foi se apropriando de Beatriz/Alice, bem como do amargurado escritor Donetti (inicialmente Antônio). O autor mudou os nomes, mas continuou a perseguir-lhes a essência, a perscrutar-lhes o enigma.

Donetti é o narrador de duas histórias desta coletânea, em que Beatriz surge como objeto de cobiça misturada a um desejo de vingança e, depois, como lembrança melancólica. Nos dois casos ela figura mais como um fantasma de suas obsessões do que como um ser autônomo.

Quando ela obtém status independente, porém, nos outros contos, algo acontece que a faz titubear. Lidas na sequência, as histórias parecem estudos de Tezza para a construção da personagem. Certas situações se repetem; atitudes, idem. Beatriz como que derrapa.

São contos bons para serem lidos em separado, no seu oferecimento de humor tácito, evolução segura de enredo com alguma surpresa de caráter equívoco bem guardada para o leitor. Mas perdem o brilho quando vistos no conjunto.

Beatriz, igualmente, não evolui muito, digamos, entre "Aula de Reforço" e "Beatriz e a Velha Senhora" ou "Um Dia Ruim". A exceção é a última narrativa, "O Homem Tatuado". Não só esse relato é mais alongado, quase uma pequena novela, como Beatriz ali aparece mais inteira, menos esquemática.

Salvo engano, não seria tanto a dificuldade com a criação de personagens o que de fato desautoriza Tezza a frequentar o conto, mas a carência de "espaço".

Dê-lhe terreno maior e ele reencontra o seu norte artístico, quer seja na força das descrições, quer seja na fluidez narrativa, quer seja no vislumbre de certo viés vertiginoso, quer seja na introdução de outros personagens verdadeiramente vívidos. Ganha assim o autor, ganha também o leitor.

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