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Crítica filosofia

Roland Barthes enfrenta dor da morte em "Diário de Luto"

Obra compila anotações feitas pelo semiólogo francês após a perda da mãe

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A fala de quem ama, a fala de quem sofre. Tão complexa quanto o amor e o sofrimento, e capaz de aguçar ainda mais os dois sentimentos, é a impossibilidade de dizê-los.

Para o amante e o enlutado tudo soa oco, aquém ou além de algum núcleo duro e verdadeiro, que parece incomunicável. Roland Barthes sempre tematizou essa dificuldade.

Como dizer o indizível e, ao dizê-lo, como sanar o paradoxo de que, apesar de impossível, é preciso dizê-lo? É na tentativa de falar sobre essa incomunicabilidade que ele parece encontrar a resposta.

É como se dizer um sentimento tão forte como o amor ou o luto só se pudesse fazer com perguntas e fragmentos. Perguntar-se sobre isso, assim, é de alguma forma, responder.

É isso o que se encontra no conhecido "Fragmentos de um Discurso Amoroso" e é também dessa maneira -lacunar e autocrítica- que se compõem as notas de "Diário de Luto", sucessão de 330 fichas escritas por Barthes após a morte de sua mãe, de quem ele cuidou por meses, ao longo de sua doença.

Como pode o enlutado -palavra que, para Barthes, é psicanalítica demais para expressar o que é puramente dor- ouvir a fala mais comum de quem o cumprimenta: "Ela não sofre mais"?

É assim que ele ouve: "a quem, a quem remete o ela? Que quer dizer esse presente?". É na desbanalização do discurso e da atitude convencionais que Barthes pode, talvez, encontrar um caminho.

Tudo o que ele possui é a memória da mãe. E ele não quer perdê-la. Não aceita os dispositivos normais do consolo: o esquecimento, os pêsames, os remédios. Quer a fala difícil, truncada.

Encontra, por exemplo, no Larousse, a medida do luto por uma mãe ou um pai: 18 meses. Mas o seu discurso é aquele da antimedida, da não certeza.

Até da própria beleza de algum estilo o autor tenta se afastar. "Medo de fazer literatura." Sua literatura -porque seu texto não é só ensaístico e teórico, mas também literário- é feita mesmo a partir do medo da totalidade, medo de que possa haver alguma coisa que explique tudo. E é contra ela que ele escreve.

Contra a totalidade do senso comum, da mediocridade, da adaptabilidade. O luto pode ser uma "região atroz" onde o autor não teria mais medo. Aí é que está, para ele, a verdadeira atrocidade. Não viver a dor, mas ocupar-se em superá-la.

Seu texto é a fala impossível de uma dor absurda, e Barthes não quer dela se livrar, mas prosseguir com ela.

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DIÁRIO DE LUTO

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