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Opinião

Empresas buscam a simpatia do consumidor, e não o debate sobre arte

FABIO CYPRIANO
CRÍTICO DA FOLHA

A obra de Nan Goldin recusada pelo Oi Futuro, "Ballad of Sexual Dependency" (balada da dependência sexual, em inglês), é uma espécie de "A Última Ceia" (1495-1497) -a obra-prima de Leonardo da Vinci- do século 20.

Criada em 1979, a instalação multimídia "Ballad" retrata marginalizados que, assim como Jesus e seus apóstolos, confraternizam, confrontando-se com uma sociedade que os exclui.

Mas não é só no conteúdo a semelhança. A instalação de Goldin é uma referência fundamental na produção contemporânea, ao posicionar o artista no mesmo nível que o seu objeto, abrindo uma nova perspectiva para o modo de criação.

O que, portanto, levaria uma instituição cultural a retirar obra com tamanha significação de seu programa de exposições?

O fato é que esse gesto aponta que não é a arte que interessa efetivamente a essa ala de instituições regidas pelo marketing corporativo, como o Oi Futuro.

A elas, em geral atuando sob as bênçãos das leis de incentivo à cultura, interessa sa simpatia do consumidor -de preferência introduzido nesses espaços ainda na infância, por meio de programas educativos.

Proibir a exibição de "Ballad" poucas semanas antes da abertura da exposição é apenas a ponta de um iceberg. Muitas outras mostras já foram descartadas simplesmente por abordar conteúdos que não agradariam ao programa de educação de jovens consumidores que a instituição organiza.

Afinal, fixar uma marca nas mentes infantis não é uma ótima estratégia publicitária?

A questão é que não se trata de uma decisão isolada: é só recordar o veto do Centro Cultural Banco do Brasil carioca, em 2006, à obra "Desenhando em Terços", da artista Márcia X. Alvo de ação de uma instituição religiosa, ela foi descartada antes de qualquer decisão judicial.

Atitudes como essa costumam ser tomadas por burocratas mais comprometidos com os valores e princípios da empresa que patrocina o espaço do que com a arte.

E aí está outro dos problemas das leis de incentivo, que delegam às empresas o poder de decidir sobre a exibição de conteúdos culturais.

Não são especialistas em arte, mas gerentes administrativos dessas corporações os maiores responsáveis pela agenda de eventos artísticos do país.

Isso porque, como se sabe, os museus brasileiros, públicos ou privados, têm um orçamento muito aquém daqueles reservados a instituições como um Itaú Cultural -que, durante a mais recente Copa do Mundo, cobriu o prédio de sua sede paulistana com um jogo de luzes tão feérico quanto o que enfeitava as agências do banco.

Por tudo isso, a nova lei de incentivo à cultura, em tramitação no Congresso Nacional, precisaria rever os mecanismos de repasse de verbas a essas instituições, que não hesitam em colocar o marketing acima da arte.

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