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Os japas de João

Quem são os técnicos que, desde 2003, podem inviabilizar qualquer turnê de João Gilberto

MARCUS PRETO
DE SÃO PAULO

Por causa de uma "gripe forte" que não passa, a turnê de 80 anos de João Gilberto foi transferida para 2012.

Mas, segundo Claudia Faissol -mãe da filha caçula do recluso cantor e seu principal contato com o mundo exterior-, não é só a saúde dele que vai ditar as novas datas.

"É preciso verificar se os dias que as casas [de shows] vão disponibilizar estão de acordo com a agenda dos japoneses", disse ela à Folha.

Os japoneses de João são Ken Kondo e Toshihiko Usami, especialistas respectivamente em engenharia de som e coordenação de palco.

A função dos dois é tornar ainda mais audíveis os silêncios da música do mestre da bossa nova. Para tanto, eles reinventaram seus rituais.

Kondo criou nova organização para a captação da voz e do violão de João em cena.

Como o cantor não faz passagem de som, colocou um microfone nas costas dele. Assim, ouve da cabine da técnica exatamente o que João está ouvindo no palco.

Usami descobriu o banquinho perfeito -que, aliás, mora em seu almoxarifado, no Japão, e viaja sempre que a agenda de João chama.

Também criou o apoio dos pés na altura e largura ideais para que o cantor não se sinta desconfortável em cena.

Depois da primeira experiência, em show que ultrapassou três horas de duração, percebeu ser necessário um relógio aos pés do cantor.

Os detalhes fizeram muita diferença nas apresentações.

Desde que trabalharam juntos pela primeira vez, em 2003, a presença dos japoneses na equipe de João é exigida em cláusula contratual.

Naquele ano, João fez temporada no Japão. Chegaria na véspera do primeiro show.

Na bagagem, vinha o violão tinindo, o repertório ensaiadíssimo nas madrugadas solitárias de seu apartamento no Leblon, a voz aclimatada em uma semana de máximo silêncio. E nenhum técnico de som para captar devidamente tudo isso.

Quando descobriu o desfalque, o produtor local correu atrás de Kondo, ex-técnico de Riuji Sakamoto, que estava nos Estados Unidos. Esse indicou Usami para o trabalho complementar.

Kondo pegou um avião para o Japão. O voo vinha do Rio e fazia escala em Nova York. Apostando na coincidência, foi à aeromoça: "Existe algum sr. João Gilberto neste voo?".

Existia. E os futuros novos amigos se conheceram no ar.

"Não foi nenhum encontro romântico", diz Kondo. "João parecia desconfiado. 'Por que raios esse técnico de som está no mesmo avião que eu? Está me perseguindo?'."

Foram raras as vezes em que estiveram juntos desde então. "Nem o empresário tem tanto acesso. A gente tem que ir fazendo uma leitura do clima para saber se pode ou não pode perguntar alguma coisa para João. E geralmente o clima é de não pode", diz.

Ainda assim, Kondo afirma ter conversado "quatro ou cinco vezes" com seu patrão.

"Não dá nem para dizer que foram conversas. Era eu gaguejando em inglês de um lado [Kondo, 57, apenas arranha o idioma] e João não entendendo nada do outro."

Mesmo nessa linguagem truncada, os poucos contatos entre João e os amigos japoneses acabaram por se tornar agradáveis.

O cantor chegou a reunir-se a eles e brindar, com vinho, o sucesso do primeiro show japonês. Fez o mesmo em São Paulo e na Bahia, em 2008.

"Ele faz o brinde e, quando a gente nem percebe, desaparece como mágica."

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