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Crítica Romances Problemas em bom livro não encobrem sua engenhosidade Adriano SchwartzESPECIAL PARA A FOLHA "Habitante Irreal", de Paulo Scott, está longe de ser um livro comum. A história começa no final dos anos 80, em Porto Alegre, com Paulo, um jovem militante desiludido que se envolve com uma menina índia e chega, após uma longa série de desdobramentos, próximo ao nosso presente histórico, passando, nesse meio tempo, por Londres e por uma série de Estados brasileiros. Em um movimento que lembra um pouco uma estratégia usual em romances de Ian McEwan (como "Reparação" e "Solar"), Scott estabelece, logo de início, um momento de grande intensidade que transforma tudo, e deixa, com engenho, que ele reverbere longamente nas vidas de todos aqueles que, de algum modo, tiveram ou viriam a ter algo a ver com o ocorrido. O senão da obra é que existe um incômodo descompasso entre o longo alcance daquilo que é narrado e a forma como essa narração se desenrola, seja pela inclusão meio despropositada de certos personagens que entram e saem da trama, seja por eventuais alternâncias de foco que resultam forçadas, seja, principalmente, por um uso da linguagem menos ambicioso que o material apresentado parece pedir. E que surge, de vez em quando, como no trecho a seguir -numa espécie de inteligência específica da frase que teve, por exemplo, em Saul Bellow um mestre-, indicando ao leitor que algo mais poderia estar acontecendo ali: "Não está conseguindo lidar com essa disponibilidade dele, com sua dedicação, com as surpresas renovadas em prazos cada vez mais curtos, enquanto seus gestos e atitudes elétricas, convencidas, o distanciam rápido demais do dia e hora em que ela mais o adorou. Paulo se distancia por não conseguir ficar no presente. O presente é um fardo, não pode servir de instrumento." O senão não altera o fato, contudo, de que, ao término da leitura, àquela sensação de quase luto inevitável que o fim de um bom livro sempre traz, soma-se a impressão de que seria o caso de começar a ler de novo. ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da ECA-USP (Escola de Artes, Ciências e Humanidades)
HABITANTE IRREAL |
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