Sátira política de Dahmer sai em livro

"Quero agradecer aos heróis que me ajudaram a enforcar, fuzilar, queimar, mutilar, esquartejar, estuprar, afogar, escravizar, cegar, humilhar e canibalizar... em nome dos homens de bem."

Reproduzida assim, fora de contexto e sem a carinha de menino levado do Bom Emir, a piada de André Dahmer poderia soar grosseira, ultrajante e levar incontáveis pessoas que "ainda têm coração" e se dizem "contra o genocídio" a pedir a queima imediata dos livros e a cabeça do autor numa bandeja... em nome dos homens de bem.

Publicadas desde 2007 no portal G1 e no site de Dahmer (www.malvados.com.br), as tirinhas do rei Emir Saad, O Monstro de Zazanov -que ganham agora compilação em livro pela editora Leya-, são na verdade um ataque aos autoritarismos e totalitarismos de quaisquer espécies.

Emir é o ditador vaidoso e implacável de um Ziniguistão fictício, mas é também inegavelmente a caricatura de um Muammar Gaddafi, um Adolf Hitler ou daquele seu chefe tirano que acredita que o segredo do sucesso (dele) está em manter os empregados domesticados e punir as vozes dissonantes.

Cercado de puxa-sacos e oficiais de governo, como General Bomb, Dr. Law e Alfred, Emir divide seu tempo entre as difíceis tomadas de decisões -"Você quer ser torturado com ou sem emoção?"- e as paranoias com sua própria imagem.

Cria direta da internet -sua tirinha "Malvados", hoje publicada na Folha, foi uma das primeiras a fazer sucesso na web brasileira-, Dahmer transita entre a sátira política mais contundente e as pequenezas ridículas atuais.

Com seu humor refinado e autorreferente, traços econômicos e um timing perfeito, as tirinhas do Bom Emir são o antídoto ideal para esses tempos tão sem graça em que fazer piada está voltando a ser crime de lesa-pátria, punível com mordaça e linchamento em praça pública.