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Entrevistas 2011/2012

Meu trabalho não é conceitual ou teórico, vem das entranhas

DEPOIS DE TER MOSTRA NO RIO CANCELADA, NAN GOLDIN FALA DE SUA SÉRIE MAIS RECENTE, EM QUE MISTURA SUA REALIDADE AOS MITOS NOS QUADROS DO LOUVRE

SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

Quando Nan Goldin tinha 11 anos, sua irmã mais velha se matou. Na bolsa, ela guardava um verso dizendo que a vida não passava de "arrependimentos insondáveis".

Na tentativa de esquadrinhar a potência insondável da vida, Goldin fez de sua obra fotográfica um retrato do submundo de drogas e sexo em Nova York e Berlim.

Ela retratou excluídos, travestis, drag queens, viciados de toda sorte e muitas vezes ela mesma, espancada pelo namorado e em poses nada lisonjeiras. Sua visão de mundo parece ter fixado a dor a e solidão em primeiro plano.

Depois de causar polêmica em Nova York, onde vivia, Goldin foi morar em Paris há 12 anos, buscando o que chamou de "exílio auto-imposto" e fugindo da perda de seus amigos íntimos, mortos em decorrência da Aids.

No fim do ano passado, retratos desses amigos e seus filhos foram o estopim de um novo escândalo, quando o centro cultural Oi Futuro, no Rio, decidiu não expor suas imagens em que crianças apareciam nuas ou próximas de situações eróticas. Sua mostra cancelada será exibida no mês que vem, no Museu de Arte Moderna do Rio.

Mas sua obra vem mudando de forma radical. Goldin expôs em Londres no ano passado uma série de paisagens, livres de traços autobiográficos e sem personagens.

Em Nova York, ela acaba de mostrar sua série mais recente, "Scopophilia", em que retrata obras do Louvre, em Paris, justapostas a imagens antigas de amigos e amantes.

Nesta entrevista, a artista comenta seu trabalho mais recente e fala por que nunca quis ser fotógrafa.

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Folha - Na última vez em que falamos, há dois anos, você reclamou que estava muito sozinha. Depois disse a um jornal britânico que o mundo da arte gostaria que você se matasse. Como se sente agora?
Nan Goldin - Isso mudou um pouco, mas ainda me interesso muito pela solidão. Não tenho família nem companheiro de vida. Meus amigos são a melhor coisa para mim. Não estou mais vivendo naquele exílio. Tenho passado muito tempo em Berlim, onde tenho amigos íntimos, e também tenho voltado mais vezes a Nova York.

Sua obra também mudou de registros mais crus para propostas mais elaboradas. Como você vê a fotografia hoje?
Nunca quis ser fotógrafa. A fotografia é a mais baixa das formas de arte e nunca tive muito respeito por ela. Existem fotógrafos que admiro muito. Também gosto de desenho, arquitetura, mas, por causa da tecnologia, a fotografia não é mais respeitada.

Mesmo seu trabalho mais antigo perdeu o respeito?
Ninguém acredita que aquilo é real hoje, então meu trabalho foi todo negado. Numa palestra em Londres, perguntei ao público se alguém ali achava que minhas imagens retratavam cenas reais. Só cinco pessoas levantaram a mão. Sinto que fui prejudicada pela vida contemporânea, já que ninguém precisa acreditar em nada mais.
O mundo se tornou cínico e ninguém acredita em nada.

É por isso que você decidiu voltar a imagens clássicas, de pinturas e esculturas no Louvre, em sua última série?
Esse é meu trabalho favorito em anos. "Scopophilia" significa amor pelo olhar. É a satisfação completa dos sentidos só pela visão de alguma coisa. É isso que senti enquanto trabalhava na série. Foi uma epifania para mim.
Fotografava o dia inteiro no Louvre, toda terça, quando o museu está fechado ao público. Era como se fosse meu museu, foi o céu na terra.
Fiz imagens de pinturas, esculturas, rostos, às vezes só detalhes minúsculos. Tem a ver com o mito [de Pigmalião] em que esculturas ganham vida por causa do amor. É sobre Cupido e Psiquê, Narciso e "Metamorfoses", de Ovídio.
Um amigo depois viu nessas fotografias uma conexão com retratos que eu havia feito nos anos 70 e nunca tinha mostrado. Alguns amigos se tornaram personagens para mim, da mesma forma que me apaixonei por algumas das figuras nas pinturas. Havia uma ligação muito direta.

Mas justapor imagens de amigos a essas não significa retomar o caráter autobiográfico de seu trabalho?
Em vez de fotografar estranhos, eu retrato minha própria tribo, mas falo de muitas coisas. Meu melhor trabalho parte da minha vida, não é conceitual ou teórico porque é emotivo, vem das entranhas, é psicológico, tem a ver com o que eu conheço.
Estou falando de amor e da minha sensação de ter despertado muita gente para a vida com esse sentimento. Existe algo de Pigmalião nisso. Essas imagens mostram como as pessoas mudaram no período em que estiveram próximas de mim. Se você retrata um amante com muito amor, isso é autobiografia?

Seu trabalho mais conhecido, 'The Ballad of Sexual Dependency', é visto até hoje como um diário visual. Acredita que a percepção dessa obra mudou de alguma forma?
Ninguém enxerga além do sexo e das drogas nesse trabalho. É uma série de slides que dura 48 minutos, sendo que só três deles mostram pessoas usando drogas e outros sete têm cenas de sexo.

Você fala de sua obra como se fosse cinema e já disse que pretende fazer filmes. Como estão esses planos agora?
Estou pensando em adaptar alguns livros. Meu maior interesse agora é o cinema argentino. Sou a maior fã de Ricardo Darín no mundo e também adoro os filmes de Pablo Trapero, como "Leonera". Também tenho sempre comigo uma cópia de "XXY".

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