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Crítica poesia

Volume ilumina modernidade de Dickinson

"A Branca Voz da Solidão" ganha versão em português de José Lira, um dos principais especialistas brasileiros na obra da poeta

AUGUSTO MASSI
ESPECIAL PARA A FOLHA

O fascínio que a poesia de Emily Dickinson (1830-1886) exerce sobre poetas e tradutores brasileiros é cada vez maior. Um levantamento realizado pelo crítico Carlos

Daghlian das traduções disponíveis em língua portuguesa aponta para um conjunto crescente de trabalhos.

Manuel Bandeira reinou solitário na década de 1940, no decênio seguinte as traduções subiram para sete. Depois foram cinco nos anos 1960, dispararam para 11 nos anos 1970, 22 na década de 1980, 19 nos anos 1990. Esta última cifra já foi ultrapassada na última década.

Dentre os tradutores renomados, para ficarmos só entre poetas, figuram Bandeira, Cecília Meireles, Paulo Mendes Campos, Mário Faustino, Décio Pignatari, Ana Cristina Cesar, Paulo Henriques Britto, João Moura Jr., Augusto de Campos. Entre os portugueses, Jorge de Sena, Mário Cesariny e Nuno Júdice.

Num primeiro olhar, podemos inserir o crítico e tradutor José Lira nesta linhagem de poetas. Mas o lançamento de "A Branca Voz da Solidão", segundo volume de traduções dedicado à poesia de Emily Dickinson, permite destacar um aspecto fundamental do seu trabalho que talvez permaneça em segundo plano para o leitor.

Muito além da paixão e da fidelidade ao estudo da poeta, a quem já dedicou um livro de ensaios, "Emily Dickinson e a Poética da Estrangeirização" (UFPE, 200), outro volume de tradução, "Alguns Poemas" (Iluminuras, 2006), e inúmeros artigos e conferências, José Lira tornou-se, no melhor sentindo do termo, um especialista da poesia de Emily Dickinson.

Radicalizando, sua trajetória intelectual se beneficiou e, simultaneamente, contribuiu para a especialização do debate em torno da tradução poética no Brasil.

Questões inerentes à poesia de Emily Dickinson serviram como uma luva para a formação de um autêntico grupo de estudiosos.

BALADA E SONETO

Ao lado de Carlos Daghlian e Walter Costa, José Lira não só organizou um número da revista "Fragmentos" (Universidade de Santa Catarina, 2008), inteiramente consagrado à poeta, como, em permanente diálogo com Paulo Henriques Britto, avançou em questões técnicas ligadas a traduções.

Ambos refletiram sobre possíveis equivalências de formas poéticas, como a balada inglesa e o soneto, para o nosso idioma, no enriquecimento de formas rímicas, como o uso da raríssima "rima abreviada".

No caso de José Lira, o tradutor preparou o terreno para o amadurecimento do especialista. O domínio da bibliografia crítica sobre Emily Dickinson e a intimidade com a prosódia comparada do inglês-português são, no mínimo, extraordinários.

Paradoxalmente, a própria condição de especialista seja responsável por alguns excessos que aparecem em "A Branca Voz da Solidão".

Talvez, por já ter abordado o mesmo assunto tantas vezes em livros e artigos, José Lira tenha se desobrigado de oferecer ao leitor comum algumas portas de entradas mais acessíveis.

Por vezes, faltam informações sempre úteis e necessárias, recomendar os bons ensaios, a melhor biografia, o principal site, etc.

Porém, do que o volume se ressente mesmo é de um maior equilíbrio entre o debate sobre tradução e um viés interpretativo.

Nesse sentido, "Emily Dickinson: Não Sou Ninguém" (Editora da Unicamp, 2008), publicado por Augusto de Campos, continua uma referência essencial.

Numa introdução sintética, o ensaísta mescla dados biográficos e fontes bibliográficas atualizadas sobre a autora americana, além de expor de maneira clara as incompreensões que marcaram a recepção crítica desta poesia tão moderna.

Num outro plano, não fica atrás a contribuição dada por Angela-Lago, inventiva escritora e ilustradora de livros infantis. A sua leitura crítica propõe um fecundo diálogo entre tradução e criação gráfica, já expressa no próprio título, "Emily Dickinson: Um Livro de Horas" (Scipione, 2007).

MODERNA ATÉ A MEDULA

Tais reparos não desabonam a difícil tarefa realizada por José Lira, atualmente responsável pelo maior número de poemas de Emily Dickinson traduzidos entre nós.

Recomendo vivamente a leitura dos dois volumes: "Alguns Poemas" e "A Branca Voz da Solidão".

Ambos nos permitem uma visão bastante ampla desta poesia moderna até a medula, escrita por uma mulher que nasceu e morreu em Amherst, cidadezinha próxima de Boston, região das mais conservadoras nos EUA.

Para alguém que sempre cultivou a arte da perda -da fé, do amor, da vida literária -, ficaria surpresa e feliz ao saber que no Brasil ela circula livremente.

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A BRANCA VOZ DA SOLIDÃO
AUTORA Emily Dickinson
EDITORA Iluminuras
TRADUÇÃO José Lira
QUANTO R$ 47 (352 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

Folha.com
Leia mais sobre traduções de Emily Dickinson em português
folha.com/no1033921

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