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Pra lá de Teerã

Com "A Separação", diretor conquista crítica e Globo de Ouro e diz que nunca sabe o que o governo iraniano considera delito

Divulgação
Peyman Moadi e Sarina Farhadi em cena do filme “A Separação”
Peyman Moadi e Sarina Farhadi em cena do filme “A Separação”

ANA PAULA SOUSA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Asghar Farhadi mede pouco mais 1,60 m, é magrinho, fala baixo e, como tem dificuldades para se comunicar em inglês, prefere ter um tradutor a seu lado quando dá entrevistas.

"Só me sinto seguro para dar entrevistas em farsi", disse à Folha em suas últimas horas de relativo anonimato, durante o Festival de Berlim, em fevereiro de 2010.

Daquele momento até aqui, Farhadi ganhou o Urso de Ouro em Berlim, levou mais de 3 milhões de iranianos aos cinemas com "A Separação"-os filmes de seus colegas mais famosos, como Abbas Kiarostami e Jafar Panahi, raramente ultrapassam os 150 mil espectadores no país-, e vendeu quase 1 milhão de ingressos na França.

Para completar, no último domingo, venceu o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro. Agora, é forte candidato ao Oscar da categoria.

Ou seja: o cinema iraniano, aquele mesmo que era tido como "cabeça" e "lento" e que é perseguido pelo governo local, tomou de assalto os tapetes vermelhos do cinema norte-americano.

"Espero que esse prêmio possa, ao menos parcialmente, ajudar a amenizar a frustração de toda a comunidade cinematográfica iraniana", declarou, à Associated Press, Kiarostami, ilustre internacionalmente, mas com uma relação conturbada com o regime em casa.

No discurso do Globo de Ouro, Farhadi, que atravessou o último ano a medir as palavras em público, disse apenas: "Meu povo é um povo que ama a paz".

Ele sabe melhor que ninguém que cada uma de suas manifestações é monitorada pelo governo. As filmagens de "A Separação", em 2010, chegaram a ser interrompidas por conta de seu posicionamento político. A certa altura, o cineasta se manifestara contra a prisão de Panahi, condenado por fazer "propaganda contra o regime".

"Procuro dizer o que penso", afirmou na entrevista. "Antes de vir para cá [Berlim], telefonei para Panahi. Somos amigos... Na verdade, nunca sabemos muito bem o que é visto como delito pelo governo", admitiu, em sua fala discreta. "Quando submete um roteiro ao Ministério da Cultura, você não tem a menor ideia do que esperar. Meu filme não é um manifesto político, mas reflete uma realidade iraniana. Não sabia se seria autorizado a fazê-lo."

"A Separação", de fato, é tudo, menos condescendente com o regime. Ainda assim, conseguiu, com seu roteiro astuto e cheio de camadas de interpretação, agradar a censores, crítica e público.

"Eu gosto de esculpir as histórias. Não parto de um tema para criar o roteiro. Em cada pequena história de vida, há incontáveis temas", diz. "Só acho um equívoco dizerem que a censura aumenta a criatividade. Não foi o medo de ser censurado que me fez escolher esse estilo."

CAMINHO

Farhadi, 39, se formou em artes dramáticas na Universidade de Teerã, em 1998, e deu os primeiros passos profissionais na TV estatal, escrevendo seriados. A estreia na direção de um longa-metragem aconteceria em 2003, com "Dancing in the Dust" [dançando na poeira], que já colocava, na tela, o divórcio, tema de "A Separação".

Ele voltaria a imprimir um olhar agudo sobre a sociedade iraniana em "Beautiful City" [bela cidade]. Mas foi só em 2006, com "Procurando Elly", que Farhadi cruzou a fronteira dos véus e passou a integrar o circuito internacional de cinema.

Também nesse filme o divórcio alinhavava a trama. "As ideias, de algum jeito, se repetem. Mas acho que foram se sofisticando", define.

E por que a obsessão com o divórcio?

"Porque o número de divórcios só cresce no Irã e, ao tratar disso, consigo falar de sentimentos, mas também mostrar o sistema judiciário, os problemas sociais, a diferença entre homens e mulheres... Tanta coisa."

Assim, Farhadi trata do que diz respeito a todos nós e, ao mesmo tempo, faz um retrato preciso de seu país.

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