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Livro revê trajetória da artista Lenora de Barros

Volume parte de retrospectiva de sua obra realizada há dois anos no Rio

Críticos e autores como Augusto de Campos e Tadeu Chiarelli analisam seu trabalho em ensaios inéditos

SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

Daquela "gota absurda, meio sal e meio álcool" de um verso de Drummond, Lenora de Barros ficou com o sal. "Numa pia com água escorrendo, ninguém vê lá embaixo os canos todos enferrujados, aquela ruína", diz ela.

Foi essa imagem que serviu de ponto de partida para uma instalação da artista nos anos 90, em que milhares de bolinhas brancas pingavam do teto de uma sala, uma a uma, ao som de uma frase que dizia: a "cidade oxida".

De Barros, 58, contrasta em toda sua obra um porão teórico com uma imagem asséptica na superfície, sem dor e plana -como o quadro branco em que escreve 13 vezes a palavra "já" em maiúsculas.

"Sempre fiquei entre a palavra e a imagem, com os pés em duas canoas", diz a artista paulistana, que está lançando agora "Relivro", espécie de catálogo ampliado da retrospectiva que fez há dois anos no Oi Futuro, no Rio.

Nas primeiras páginas, está um autorretrato da artista segurando fósforos acesos na altura dos olhos. "É a energia toda focada no olhar", diz. "Estou no âmbito do olhar."

E das palavras. De Barros desdobrou os experimentos da poesia concreta em sua obra, trabalhando vocábulos e versos em forma de vídeo, performance, instalações e som. Voz e palavra escrita se fundem em seus trabalhos.

Seu corpo é o ponto de encontro dessas duas esferas. Ela escreve um poema nas solas dos pés, fotografa a própria língua, desfia um gorro de tricô que cobre sua cara.

Em texto no livro, Augusto de Campos a descreve como uma "artista do 'entre'", "que não se limita a se expressar, mas também quer mudar, abrir novos caminhos à sensibilidade do espectador".

Tadeu Chiarelli, noutro ensaio do volume, também situa a artista num cruzamento de vertentes artísticas, algo "entre o tato e a visão".

Segundo ele, De Barros opera num "terreno magmático em que poesia e artes plásticas se juntam em uma síntese única sob a objetividade do índice fotográfico".

Numa de suas primeiras obras, foi a decisão de fotografar tudo que desfez um bloqueio criativo. "Olhava a máquina de escrever e pensava quantos poemas poderiam ser feitos com aquele alfabeto", lembra. "Tentei escrever algo que refletisse isso, mas nunca dava certo."

Até que um dia ela decidiu lamber as teclas, enfiar a língua na máquina de escrever. "Pensei na língua fecundando a linguagem", conta a artista. "É como se fosse uma transa, eu imaginava aquilo quase como um orgasmo."

Sua irmã, Fabiana de Barros, registrou essa cena de sexo conceitual numa sequência de fotografias que depois foram publicadas como um poema no início dos anos 80.

"Era um poema sem palavras", resume. "É essa coisa da língua ser a língua e ao mesmo tempo ser idioma."

Tudo remete a algo que não está lá, o poema que teria sido escrito com a língua, mas que não passa da documentação de um ritual, a língua que se dá a ver sendo língua.

RELIVRO
AUTORES Alberto Saraiva, Augusto de Campos, Tadeu Chiarelli
EDITORA Automatica/Oi Futuro
QUANTO R$ 50 (176 págs.)

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