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Mônica Bergamo

monica.bergamo@grupofolha.com.br

Mano Brown

Fotos Márcio Lima/Folhapress
O músico no Candeal, em Salvador
O músico no Candeal, em Salvador

Carlinhos Brown concorre ao Oscar e quer 'ser Brasil' com seus 'erros e tambor desafinado'

No dia 26 de fevereiro, em Los Angeles, se Carlinhos Brown, 49, ganhar o Oscar de melhor canção original, ele já sabe o que vai dizer.

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O baiano, nascido Antônio Carlos Freitas, falará às crianças caso a música "Real in Rio", que fez com Sérgio Mendes para o longa "Rio", leve o troféu.

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"Vou pedir que elas não desistam dos sonhos. E que isso seja feito na base da disciplina e do respeito aos pais. Porque o conhecimento não está nos ídolos. Ídolo não cuida de ninguém, cuida de suas carreiras e de seus desejos. Escutem seus pais!", diz à repórter Lígia Mesquita.

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As chances de fazer esse discurso são grandes. A canção dele e de Mendes enfrenta apenas uma concorrente, a do filme "Os Muppets".

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Com a barriga sarada exibida com um colete preto curto, jeans vermelho e sandálias de couro, Brown ensaia com a Timbalada em seu estúdio Candyall Guetho Square, no bairro do Candeal, em Salvador, na última segunda-feira. O grupo, criado por ele no fim dos anos 80, vai gravar um DVD.

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Sua figurinista há 12 anos, Val Kaveski, diz que "precisa conversar sobre a roupa do Oscar". "A única coisa que ele me pede é para ficar elegante. Deverá ser um smoking." Ela entrega que o músico é vaidoso e cuida bem do corpo. "Nesse tempo que trabalhamos juntos ele mantém as mesmas medidas."

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"Meu interesse sempre foi mais social que ser reconhecido. Reconhecimento é chegar em casa e ganhar um beijo da minha filha", diz ele.

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Madalena Freitas, mãe de Brown, comanda um restaurante no Guetho Square. "Agora, sou a mãe do Oscar!", conta, de avental e touca.

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Ela lembra que desde pequeno ele demonstrava talento para a música. "Ele tocava em baldes, latas." E que se preocupou muito quando Brown, o mais velho dos nove filhos da ex-lavadeira e de um pintor, optou pela carreira artística. "Tinha medo por ele ser pobre e negro."

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Brown aprendeu a ler com 12 anos e estudou só até a terceira série. Começou a trabalhar aos sete anos "carregando água" para ajudar a mãe. Aos 16 anos, "vi que dava pra música" e largou o trabalho. "Limpava cocô no BNDES, era faxineiro. Um dia me irritei, não me pagaram hora extra e fui embora. Comecei a tocar num bar e não parei."

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O cantor afirma não ligar para as manifestações de racismo. "Deixo isso com o outro. Nessas horas apelamos para a elegância." Ele acredita que a discriminação racial diminuirá no Brasil. "O rico tá ficando pobre. Uma coisa são os preconceituosos que ainda são ricos e não aprenderam a viver com pouco, então acreditam muito na inferioridade. Por isso machucam quem tem menos ou quem tem uma aparência que sugere inferioridade."

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Ele deixa o Guetho para mostrar a sede da ONG Pracatum, na mesma rua. Para e cumprimenta todas as pessoas. "Ô, Marcelo, você cresceu! Virou taxista? Tô velho", diz para um jovem.

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"Nunca foi do meu interesse explorar essa imagem do ativista social. Não me agrada transformar ajudas humanitárias em 'We Are the World', em hits populares. Tô mais atrás da ação."

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E é o desejo de "atuar no coletivo" que faz com que ele não mude para o exterior. "Esse caminho seria individual." E afirma: "Quero ser Brasil. Não quero ser Rolling Stones. Quero ser Carlinhos Brown com meus erros, com meu tambor desafinado".

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Confiante no bom momento do país, afirma que "claro!", votou em Dilma Rousseff. "Sempre sonhei com uma mulher na Presidência. Fui criado pelo matriarcado. E mulher mandando é ma-ra-vi-lho-so!"

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Na noite anterior, o cantor fez o show Sarau du Brown, no Museu du Ritmo. Recebeu os convidados Flávio Renegado, Zeca Baleiro, Tuca Fernandes e Thais Gulin, namorada de Chico Buarque, seu ex-sogro. "Ele me ensinou a fazer um acorde de violão de sétima", diz. E avisa: "Não falo de vida pessoal".

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Brown foi casado com Helena Buarque, filha do compositor com Marieta Severo. Tiveram quatro filhos: Francisco, 15, Clara, 12, Cecília, 4, e Leila, 2. Ele também é pai de Miguel, 14, e Nina, 21, de outros relacionamentos.

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Os garotos estão no camarim. Se preparam para subir ao palco com o pai. Miguel toca bateria e tem uma banda, a Memorise. Francisco diz que fez aulas de guitarra. "Piano aprendi sozinho, de ouvido, na casa da minha avó [Marieta]." Os dois pensam em ser músicos profissionais. "É o que eu sei fazer melhor", diz o mais velho.

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No palco, o músico agradece várias vezes a seus patrocinadores. E sua cara enfeita boneco inflável com o logo de um banco e a latinha de uma marca de biscoito. "Não dá pra fazer música sem patrocinadores. São eles que estão me fazendo ir pra avenida no Carnaval. Porque [meu trio] não tem abadá, não tem corda", diz. Também faz uso da Lei Rouanet. "Não pode se cobrar de uma cultura que ela não tenha apoio."

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Logo após o Carnaval começa a finalizar mais um disco, "Mixturação". E tem planos de fazer algo com os Tribalistas, seu projeto com Marisa Monte e Arnaldo Antunes, que completa dez anos em 2012. Um segundo disco, "só se a inspiração mandar".

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"Seria salutar a gente se organizar e apresentar algo. Tem tanta coisas linda que a gente fez nesse tempo no disco um do outro. E se a gente registrasse pra uma festa? Acho que o público merece."

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Os três se encontram frequentemente "onde o destino quiser". Marisa e Arnaldo, afirma, são seus melhores amigos. "São pessoas a quem a gente conta tudo. Somos psicólogos um do outro."

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Dona Madalena, que temia pelo começo de carreira do filho, hoje tem "muito orgulho" das letras que o primogênito fez. Como "Magamalabares", famosa na voz de Marisa. "É lindo quem escreve 'Quem tem Deus como império, no mundo não está sozinho', né?"

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