Índice geral Ilustrada
Ilustrada
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Festival de Cinema de Roterdã

Longa brasileiro leva prêmio da crítica

Festival holandês premiou o pernambucano "O Som ao Redor" e exibiu retrospectiva com trabalhos da Boca do Lixo

Filmes produzidos em São Paulo nos anos 60 e 70, como "O Bandido da Luz Vermelha", foram destaques do evento

Divulgação
Cena do filme "O Som ao Redor", de Kleber Mendonça Filho, premiado no Festival Internacional de Cinema de Roterdã
Cena do filme "O Som ao Redor", de Kleber Mendonça Filho, premiado no Festival Internacional de Cinema de Roterdã

INÁCIO ARAUJO
ENVIADO ESPECIAL A ROTERDÃ

O Brasil até que não pode reclamar do resultado do 41º Festival Internacional de Cinema de Roterdã: "O Som ao Redor", de Kleber Mendonça Filho, levou o prêmio Fipresci, que é o prêmio da crítica internacional.

O filme não ganhou nenhum dos três Tiger Awards, os prêmios concedidos para os filmes em competição. Não pude seguir a competição, mas "O Som dos Outros" representa uma estreia mais que animadora para o crítico pernambucano.

Como ele mesmo disse, trata-se de um filme sobre a sua rua, um local que conhece bem. É o ponto de partida de uma observação muito sensível sobre a sociedade desigual do Nordeste, tendo no centro três gerações de uma família cujo patriarca é um senhor de engenho.

Em suma, um filme com humor, sem pretensão a reinventar o cinema, mas capaz de contornar o óbvio, de se mostrar provocativo: uma estreia feita com orçamento modesto (cerca de R$ 2 milhões), que leva a esperar, desde já, por novos filmes desse autor.

Já a seção "Mouth of the Garbage" (nome traduzido da Boca do Lixo), deixou seus curadores, Gabe Kingler e Gerwin Tamsma, com um sorriso daqui até aqui. Era um programa de risco, que juntava no mesmo saco filmes desde o período "marginal" da Boca do Lixo ("O Bandido da Luz Vermelha", "O Pornógrafo", "Orgia ou O Homem que Deu Cria"), filmes do período que se poderia chamar "sexploitation" (o fantástico "O Império do Desejo", "Snuff - Vítimas do Prazer", "O Despertar da Besta"), até a era do sexo explícito ("Oh! Rebuceteio").

Mesmo essas classificações supõem destinos muito diversos: "O Bandido", de Rogério Sganzerla, foi um grande sucesso, enquanto "Orgia", de João Silvério Trevisan, ficou preso na censura e só há pouco tempo foi lançado em DVD. O público e os especialistas não se espantaram com essa diversidade, e em dado momento comentava-se muito "The Garbage".

O essencial, no entanto, é a abertura que essa seção representa aqui mesmo no Brasil. Digamos que na história do nosso cinema existe uma porta lateral para Rogério Sganzerla e outras, ainda menores, para Carlos Reichenbach e José Mojica Marins.

Mas é um cinema visto, essencialmente, como um desvio numa linha histórica cujo centro é o cinema novo e sua sequência, a Embrafilme.

Quanto a Ozualdo Candeias, do inventivo "A Margem", ao Claudio Cunha de "Vítimas do Prazer", ou a Jean Garrett, o lugar reservado pela história oficial era mesmo de esquecimento.

O que se pôde ver em Roterdã foi, justamente, a proposta de uma reavaliação completa desse cinema. Trata-se de saber o lugar dessa indústria do pequeno orçamento (com muito mais baixos do que altos, sem dúvida), construída sobre as ruínas da falência dos grandes estúdios (Vera Cruz, Maristela), o desencanto com os rumos do cinema novo no final dos anos 1960 e a acentuada mudança de costumes (sexuais, sobretudo) do período.

Reabrir essa discussão não significará apenas revisar um passado morto e enterrado. Essa experiência marcou bastante, afinal, a crítica contemporânea brasileira (especialmente a mais arrojada surgida a partir da revista eletrônica "Contracampo", que nunca engoliu passivamente a historiografia oficial) e o cinema pernambucano, o mais criativo do país atualmente

É um pouco o campo, também, de Júlio Bressane, também presente a Roterdã. Ao apresentar seu filme "Rua Aperana 52", não teve meias palavras: para ele foi a Embrafilme que acabou com a criatividade da Boca do Lixo.

INÁCIO ARAUJO viajou a convite do festival

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.