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'Potências tentam nos manter à margem' Diretor-geral do Ministério da Cultura iraniano diz que sucesso de "A Separação" é motivado por razões políticas Para membro do governo, atual rigidez contra vestuário feminino visa corrigir "exageros" passados
DE TEERÃ Os princípios fundamentais da Revolução Islâmica iraniana, que completa 33 anos hoje, estão mais atuais do que nunca e impulsionam inclusive o estrondoso sucesso do filme "A Separação", de Asghar Farhadi. Mas o sucesso internacional da obra que levou o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro e concorre ao Oscar na categoria é motivado por razões políticas destinadas a destacar críticas ao Irã para enfraquecer o país. Assim pensa o principal responsável do governo iraniano para divulgação cultural internacional, Mohammad Bagher Khoramshad, diretor-geral do todo poderoso Ministério da Cultura e da Orientação Islâmica. Em entrevista à Folha e ao site InfoRel, Khoramshad diz que a atual rigidez contra vestuário feminino no Irã visa corrigir "exageros" passados. - Folha - Os princípios e regras da Revolução Islâmica continuam atuais 33 anos depois? Khoramshad - Todas as revoluções seguem um mesmo padrão pelo qual certas coisas ficam e outras, mudam. Veja o caso da Revolução Francesa de 1789. Os valores instaurados naquela época até hoje ecoam na vida política, como mostra o debate sobre a proibição do véu islâmico. Todos os que defendem a proibição ostentam o argumento da laicidade, surgido na revolução. Os demais valores são os conhecidos "liberdade, igualdade, fraternidade". Na Revolução Russa, os valores eram "pão, terra e liberdade". No Irã, algumas frases imortalizaram os valores da revolução, como ou "nem leste, nem oeste, República Islâmica" ou "liberdade, independência, República Islâmica". Esses princípios continuam guiando a vida das pessoas. Falo da independência em relação às grandes potências e à nossa soberania tecnológica. A liberdade está presente na política. E o que mudou desde 1979? No início da revolução, o Irã dizia não ao estilo de vida ocidental como um todo. Hoje não é tão rígido, como se nota, por exemplo, no uso de calças jeans e no consumo de pizzas. Aliás, nossas pizzas são tão boas que impressionam até os italianos. Mas hoje há um claro recuo em relação à liberalização de alguns anos atrás, principalmente em relação às vestimentas femininas, submetidas a regras cada vez mais conservadoras. Na época de Khatami, as mulheres podiam usar roupa colorida e vestuário mais livre. As famílias estavam tranquilas em relação a isso. Mas, no final do governo de Khatami, havia mulheres que chegavam a extremos, e essas mesmas famílias já não achavam isso tão legal. Muita gente queria que algo fosse feito, e essa necessidade de voltar aos princípios necessários da Revolução Islâmica é uma das razões que levaram à eleição de Ahmadinejad. Havia uma demanda das pessoas por mais espiritualidade e para deixar de lado essa liberdade exagerada. Isso dito, se houve excessos no governo atual em relação ao ambiente mais fechado, então poderemos voltar a regras mais moderadas. O senhor acha que bandas de rock que ensaiam clandestinamente em Teerã ameaçam os princípios da Revolução Islâmica? Sabemos que existem músicas e bandas tocando sem autorização, mas a questão é outra. Uma vez foi perguntado ao imã Khomeini [fundador da República Islâmica] se ele era a favor do cinema. Ele respondeu que o cinema não tem nenhum problema, desde que seja compatível com os princípios islâmicos. Hoje nossa maneira de fazer cinema, sem recurso ao sexo nem à violência, caiu no gosto até do Ocidente. Como o senhor avalia o sucesso do filme "A Separação"? O filme foi rodado no Irã. Teve autorização oficial? Sim. Ganhou prêmios no Irã? Muitos, inclusive entregues pelo governo. Mostra a nossa sociedade e o seu dinamismo e, por veicular princípios da Revolução Islâmica, acabou virando um dos destaques do cinema pós-revolucionário. Sabemos que a obra é contrária ao sistema político iraniano. Há um ditado persa que diz: "Gatos não caçam ratos por amor a Deus". Não é por acaso que o Ocidente está tão interessado. O mundo está atravessando um período de mudanças profundas desde o fim da Guerra Fria [1945-1991]. Veja o que está acontecendo no Oriente Médio e na economia da Europa e dos EUA. Os velhos polos de poder fazem de tudo para tentar manter o sistema mundial a seu favor, mas potências regionais como Brasil, Índia e Irã querem um mundo multipolar. As velhas potências têm uma agenda para nos manter à margem, e o destaque ao filme e sua apropriação pelo Ocidente seguem essa lógica. O Irã está preocupado com a má imagem no exterior? Estamos numa guerra constante contra uma visão de mundo contrária à nossa. Quando algo acontece no Irã, a mídia ocidental mostra as coisas de um jeito que visa influenciar os acontecimentos em nosso detrimento. Começamos a responder, lançando canais em outros idiomas, como Press TV, em inglês, e a Hispan TV, em espanhol. Mas nem isso o Ocidente permite. Os britânicos cortaram nossa licença para a Press TV. Temos planos para lançar canais em português, alemão e francês. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros |
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