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Hans Haacke disseca em Madri mazelas da crise

"Castillos en el Aire", do artista alemão, fica até 23 /7 no museu Reina Sofía

Paralela à Arco, que termina hoje na capital espanhola, exposição questiona relações entre arte e dinheiro

SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

Da escritura do apartamento constam valor e prazo da dívida a ser paga, um rombo que parece perpétuo. Esses documentos se multiplicam na obra de Hans Haacke como pegadas de imóveis fantasmas, objetos da recessão e especulação que mergulhou o mundo na crise atual.

Esse artista alemão traduz a catástrofe econômica em obras de arte, marcas de tempos amargos, agora em sua mostra no museu Reina Sofía (www.museoreinasofia.es), em Madri. É um mundo em colapso que parece ditar os contornos das peças.

No bairro de Ensanche de Vallecas, zona de condomínios esvaziados pela recessão na capital espanhola, as ruas têm nome de movimentos artísticos, como pop, expressionista, conceitual. Haacke, pioneiro deste último gênero, documentou o lugar em vídeo e expõe hipotecas de proprietários falidos.

Não é casual que "Castillos en el Aire" (castelos no ar), a mostra, tenha começado em paralelo à Arco, uma das maiores feiras de arte na Europa, que faz vistas grossas à crise tentando vender obras de milhões de euros.

Haacke não está na feira, que termina hoje, e ao que parece nem queria estar; mas nunca deixou de olhar para dinheiro como algo indissociável da arte.

Ele chegou a ser censurado nos anos 70 no Guggenheim de Nova York ao listar e fotografar, numa instalação, os imóveis de dois multimilionários de Manhattan.

Também comprou briga com a gigante do tabaco Philip Morris, ao ironizar o patrocínio da empresa a uma mostra de artistas cubistas inserindo personagens com cigarros em cópias de trabalhos de Braque e de Picasso.

Se por um lado o trabalho parece ingênuo, Haacke, nome central da chamada crítica institucional, tenta despir o aparato por trás da arte contemporânea e revelar a relação às vezes incestuosa entre galerias, críticos, curadores e grandes mostras.

Mesmo que feita de catálogos, índices, mapas e enumerações categóricas, sua obra não prescinde da forma. Num corredor está projetada a paisagem deserta do bairro falido explorado por Haacke.

Noutra sala, uma impressora cospe despachos econômicos das agências internacionais, numa avalanche indigesta de más notícias.

Haacke desvia assim as mágoas do noticiário para o campo da arte. Na última sala da mostra, convida visitantes a revelar seu voto nas eleições espanholas de novembro e projeta os dados numa tela. É sua forma de medir o grau de responsabilidade de cada um em tempos difíceis.

O jornalista SILAS MARTÍ viajou a convite do Escritório de Turismo da Embaixada da Espanha e da Arco.

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