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Oscar no espelho

Diante da crise, Hollywood louva seu próprio passado e escanteia inovação tecnológica

Paul Buck/Efe
Hazanavicius (3º à esq.) e equipe exibem parte dos Oscars de 'O Artista
Hazanavicius (3º à esq.) e equipe exibem parte dos Oscars de 'O Artista'

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Estranho Oscar: elegeu como seu favorito um filme francês que homenageia o cinema americano, "O Artista", e encostou um filme americano que homenageia um pioneiro francês do cinema, "A Invenção de Hugo Cabret".

Na verdade, o estranho mundo das premiações havia preferido, em Cannes em 2011, outro filme americano, "A Árvore da Vida", de Terrence Malick, e relegado "O Artista" ao prêmio de ator.

"O Artista" era tudo o que Hollywood podia querer: a evocação romântica de um momento crítico, a passagem do cinema mudo para o sonoro, enquanto o filme de Martin Scorsese viajava no tempo até encontrar Georges Méliès (1861-1938), que muita gente nem sabe quem é.

Mas sobretudo é possível ver "O Artista" como um filme da crise por excelência.

Convém lembrar alguns elementos do próprio filme: George Valentin (Jean Dujardin) é um astro poderoso e rico. Teria continuado milionário, ainda que se recusasse a passar ao sonoro, caso o crack da Bolsa, em 1929, não o tivesse levado à falência.

Seguem-se outras desgraças: da tentativa fracassada de insistir no mudo até um grande incêndio na sua casa. A crise se instaura em todas as dimensões de sua vida.

"O Artista" encaminha-se, no entanto, para a superação da crise. Qualquer semelhança com os dias atuais seria coincidência? (Certo, o roteiro já existia há anos; mas agora é que foi produzido e agora encontrou ressonância.)

"O Artista" exala o otimismo na dramaticidade que o Oscar aprecia, bem mais do que "Hugo", não há dúvida.

Mas existe algo de intrigante na escolha: hoje, o 3D representa as melhores esperanças da indústria, e "Hugo" talvez seja o primeiro filme a trabalhar no sistema de forma inteiramente madura, explorando o estranho realismo que vem da percepção de profundidade e o aspecto de fábula que ele propicia.

Já "O Artista" terá sempre o mérito paralelo de apresentar o cinema mudo a muitas pessoas, que poderão, enfim, perceber a beleza desse sistema hoje quase tão anacrônico quanto o preto e branco.

Não é menos verdade que, em contato com obras-primas mudas, esse espectador perceberá com facilidade que "O Artista", embora muito digno, está longe de representar o melhor desse período.

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