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Nelson Rodrigues volta à tona após coluna polêmica

Alusão de Luiz Felipe Pondé à prostituição como vocação mobiliza leitores

Dramaturgo, cujo centenário é neste ano, escreveu que toda atriz tinha pendor para fazer o papel de prostituta

DE SÃO PAULO

"Assim como a prostituta é a primeira vocação da mulher, afirmo: sou lido, logo existo." O arroubo do filósofo Luiz Felipe Pondé em sua coluna, publicada na última segunda-feira na Folha, mobilizou leitores do jornal.

A frase faz alusão a um relato do escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues, publicado em 1967 no "Correio da Manhã", em que ele conta os bastidores e ensaios da peça "Vestido de Noiva", quando havia disputa entre as atrizes pelo papel de meretriz.

Tão logo o conseguiam, escreve Nelson, se punham a interpretá-la "com naturalidade, graça, movimento exato e inflexão certa", como se fossem vocacionadas para o ofício que representavam. Pondé, condensando o pensamento de Nelson em suas memórias, estendeu a colocação ao gênero feminino.

Entre os que se sentiram agredidos pela coluna está a cineasta Paola Prestes, que puxou por e-mail um cordão de protestos.

"Pondé revela uma arrogância ciclópica do meio intelectual contemporâneo, construído mais em divãs de psicanálise do que fruto de um pensamento rigoroso e sensível", diz, no texto endereçado a cineastas e artistas, que endossaram a crítica.

Para a escritora e militante feminista Rose Marie Muraro, "o argumento expressado é falacioso". "A vocação primeva da mulher é a maternidade. A prostituição tem raízes patriarcais e motivação econômica. Pondé quis ser provocativo e foi apenas tolo, além de demonstrar desconhecimento da história."

Aludir a Nelson Rodrigues reaviva questões em torno da persona e da obra do dramaturgo, a quem muitos acusam de conservador e misógino.

Sobre a expertise de Nelson em polêmica, Ruy Castro, biógrafo do dramaturgo e colunista da Folha, diz que "ele é o escritor brasileiro que botou mais dedos em feridas".

"A prostituição como vocação é apenas uma delas, e numa época em que não se admitia nem às prostitutas serem prostitutas."

A familiaridade que Pondé sustenta haver com o texto do dramaturgo é rebatida pelo diretor de teatro Antunes Filho. Para ele, houve uma interpretação enviesada.

"Estão querendo fazer pegadinha com a frase de Nelson. Ele fala de situações míticas, de arquétipos, do inconsciente coletivo. É preciso tirar essa ideia do social, do pequeno."

Diretora da Daspu, grife de roupas criada e divulgada por prostitutas, Gabriela Leite defendeu o ponto de vista do dramaturgo e a alusão. "Nelson é moderníssimo, as pessoas é que não são". Mas ela aponta que "ninguém quer ser chamada de puta".

Ouvido pelo jornal, o colunista disse que o seu texto é uma "armadilha de pegar hipócrita. Se eu tivesse mencionado o dramaturgo e escritor, perderia o impacto", admite.

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