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"Poeta não é profissão", afirma escritor

Paulo Henriques Britto conta que sua vocação se desenhou na infância, mas que se vê como tradutor e professor

Tradução o resgatou para a escrita poética, paralisada porque 'não havia mais o que escrever' após Cabral

DA ENVIADA AO RIO

"Sempre tive vontade de escrever, desde garoto bem pequeno", recorda Paulo Henriques Britto.

Ainda assim, afirma que não é a poesia a porção da escrita que o define. "Poeta não é profissão. Tem gente que vive de poesia, acho incrível. Mas minha relação com a poesia é muito diferente. Sou professor e tradutor."

A mudança da família para os EUA, graças à transferência do pai, militar, semeou cedo sua futura profissão. Ele tinha entre nove e dez anos e, numa escola pública de Washington, tomou contato com o inglês e com a poesia.

"Aqui, me davam poesia infantil. Lá me deram Shakespeare, pegaram pesado."

Na volta, dois anos e meio depois, começou a ler "poesia séria, Drummond, Pessoa". E a escrever versos.

"Quando chegou por volta de 67, 68, eu ia muito ao Museu de Arte Moderna, àqueles debates, os concretistas brigando com os neoconcretistas, com o pessoal da poesia práxis, poema-processo."

O jovem poeta se viu deslocado no panorama.

"Eu, ouvindo aquilo tudo e interessado em aprender a escandir, a rimar, me disse: 'O que estou fazendo já não tem nada a ver'. Desisti. Comecei a escrever prosa e fui fazer cinema", resume.

O novo ofício o levou a um curso na Califórnia. Ao lado de roteiros e "uns dois filminhos", nasceram "dezenas de contos". Data do período em San Francisco, "por volta de 73, 74", o encontro definitivo com o poeta Wallace Stevens.

"Um amigo me deu para ler. Adorei e comecei a traduzir da minha cabeça." Era um novo recomeço para a poesia de Paulo Henriques Britto.

Os contos, esses ficariam na gaveta até os anos 2000, conformando, em 2004, "Paraísos Artificiais", seu único título de ficção, que já assinou como o reconhecido poeta de "Macau" (Prêmio Portugal Telecom naquele ano).

A tradução de Stevens deu cabo da paralisia que ele então sentia pela influência da obra de João Cabral de Melo Neto, "espécie de superego poético" de sua geração.

"Quando li 'Uma Faca Só Lâmina' fiquei achando que não podia escrever mais nada. Foi um trauma completo. Só voltei depois que comecei a traduzir o Stevens."

MÉTRICA E RIMA

De João Cabral, porém, admite ter aprendido o rigor, que se somou ao apreço notável, em toda a sua produção poética, pelas formas fixas -isto é, aquelas com esquema métrico e de rimas predeterminado.

"O que me salvou foi a língua inglesa. Enquanto o pessoal estava matando o verso aqui, eu estava acompanhando o trabalho de poetas como W.H. Auden, que não matou verso coisa nenhuma e que sempre foi reverenciado. Isso me ajudou a não entrar em parafuso com essa questão."

Uma forma fixa -o soneto, uma das favoritas de Paulo Henriques- "faz uma série de coisas". "Uma delas é a seguinte: como veta certas soluções e aponta outras, obriga você a sair do óbvio."

A metalinguagem é outro elemento constante. "Muito do que geraria poesia hoje resulta numa canção popular. Então o território que sobrou para a poesia foi o da reflexão sobre a linguagem" -que, no caso dele, se mantém ligada à defesa da dicção coloquial.

Tal reflexão sobre a linguagem demarca seu cotidiano, amarrando suas atividades numa unidade tripartite.

Na sala de aula, no dia seguinte à entrevista, o tradutor fluente e o poeta elegante se reúnem no mestre generoso, mas pragmático, a lembrar os alunos de graduação de que "não existe solução fácil". Ali, sobre o tablado, Paulo Henriques Britto é os três e é um. (FRANCESCA ANGIOLILLO)

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