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Crítica teatro

Montagem recria indefinição e assombro do original de Kafka

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

A cena como enigma. "A Construção", espetáculo de Roberto Alvim a partir de conto do escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924), provoca, como o indecifrável original, o espectador a construir sua própria leitura. O encenador contrasta cristais colhidos no texto com a poética sombria que vem propondo.

O conto foi escrito em 1923, quando o escritor estava com uma tuberculose avançada. Um único e não nomeado ser narra sua estranha experiência de viver embaixo da terra, a construir um refúgio idealmente inexpugnável. Ele oscila entre sentir-se seguro ali e ver-se ameaçado por potenciais invasores.

As interpretações mais literais da obra veem a situação do narrador a partir das circunstâncias opressivas em que Kafka viveu seus últimos anos. Sendo ele um dos escritores que definiram a literatura no século 20, é possível aproximar o ato narrado, de um incessante construir, ao da criação artística.

A encenação de Alvim assume-se como o edificar de um labirinto insondável. As frases de Kafka, atualizadas enquanto matéria cênica, geram claridades provisórias, mas, como no conto, permanecem em fuga de qualquer sentido definitivo. No entanto um extraordinário trabalho dos atores mantém os ouvintes à tona e atentos.

Caco Ciocler está pleno encarnando esse ser indefinível, com traços de humanidade -os mais nítidos são a linguagem e a razão- combinados a referências explícitas à sua condição de animal: cava a terra com a própria testa e farta-se com as presas que amealha em suas rondas de caça. As variações em seu modo de enunciar as falas trazem o público rente consigo.

Com ele, a corporificar um ameaçador outro invisível, só sugerido nos temores do narrador, está Ricardo Grasson, que, mesmo silencioso e estático, muito impressiona.

O teatro de Alvim, mais próximo das artes visuais que do drama, minimiza a luz e a visibilidade para maximizar o efeito das palavras e, nessa operação radical, se afirma como um dos mais inventivos do país. Sob o risco de reiterar suas marcas a ponto de tornar-se reverencial a um estilo, ainda instiga e assombra -como a literatura de Kafka, este monumento sobre cuja arquitetura fraturada a alma humana tremula.

A CONSTRUÇÃO
QUANDO sex. e sáb., às 21h, e dom., às 17h e 19; até 25/3
ONDE Sesc Pompeia (r. Clélia, 93, tel. 0/xx/11/3871-7700)
QUANTO de R$ 8 a R$ 24
CLASSIFICAÇÃO 16 anos
AVALIAÇÃO ótimo

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