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Crítica romance Naipaul visita o Caribe de sua juventude ao som do calipso Em romance de estreia, lançado agora no Brasil, autor busca justiça social NELSON DE OLIVEIRAESPECIAL PARA A FOLHA A sorte do escritor V. S. Naipaul é que, em nosso mundo, ainda é possível apreciar uma obra literária sem necessariamente apreciar seu autor. Esse curioso fenômeno psicológico se repete, por exemplo, com o romance "Miguel Street". Não há nada mais fácil do que gostar desse romance e não lembrar que foi escrito por uma figura, no mínimo, problemática. Naipaul pertence ao "hall of fame" de cidadãos insuportáveis, do qual também fazem parte o francês Louis-Ferdinand Céline e o português António Lobo Antunes. Em entrevistas ou depoimentos, o vencedor do prêmio Nobel de Literatura de 2001 raramente se sai bem. Sua antipatia natural, somada ao desprezo pela literatura produzida por mulheres e à apologia do neocolonialismo, provocam enjoo. Então, o milagre: em sua obra esse homem, cheio de farpas e arestas, desaparece. Em seu lugar, surge uma voz mais matizada, menos maniqueísta. "Miguel Street", lançado em 1959, não tem a dimensão poética nem a pretensão de romances como "O Massagista Místico" (1957) ou "Uma Curva no Rio" (1979). É obra menor: um quarteto com 17 capítulos singelos e comoventes. Seus intérpretes são os moradores de uma rua afavelada de Port of Spain, capital de Trinidad e Tobago, no Caribe. Trata-se do primeiro romance escrito por Naipaul, que na época ainda não havia completado 23 anos. O ponto focal de sua estrutura "fix up" -capítulos que podem ser lidos como contos- é o alter ego do autor, em visita à infância e à juventude. Estamos nas décadas de 30 e 40 do século passado. Sensível e generoso com suas personagens, esse alter ego relembra, em cada capítulo, um morador da Miguel Street. Há o trambiqueiro Hat, o americanófilo Edward, o paranoico Bolo, o assustador Pé-Grande e um punhado de figuras excêntricas. Cada uma vivendo sua tragédia particular ao ritmo sincopado do calipso. Uma pequena parte da biografia de Naipaul surge em episódios leves e bem-humorados. Mas o tratamento delicado não atenua os atritos da sociedade. Aqui é bastante útil a classificação proposta pelo filósofo Richard Rorty, que separa a literatura em duas categorias. Há a literatura focada na justiça social (George Orwell, Alexandre Soljenitsin etc.) e a focada na autonomia individual (Arthur Rimbaud, Vladimir Nabokov etc.). Pertencente à primeira categoria, "Miguel Street" cataloga as muitas maneiras que uma pessoa pode ser cruel com as outras. O romance é a expressão bem articulada do desejo de uma comunidade mais justa e mais livre. NELSON DE OLIVEIRA é autor de "Poeira: Demônios e Maldições" (Língua Geral)
MIGUEL STREET |
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