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Eu não existo sem você

Por medo de processos, versão brasileira de livro que conta passagens de Vinicius de Moraes por Buenos Aires suprime e ameniza trechos

SYLVIA COLOMBO
DE BUENOS AIRES

O poeta Vinicius de Moraes (1913-1980) amava tanto a noite e seus personagens que é difícil entender sua obra sem levar em conta sua relação com os prazeres da vida.

"Vinicius Portenho", livro da jornalista Liana Wenner, 43, que sai agora no Brasil, conta as peripécias do Poetinha, como era conhecido, em Buenos Aires, no final dos anos 1960, início dos 1970.

Porém, provavelmente temendo um processo por revelar hábitos polêmicos de alguns personagens dessa fase, a editora Casa da Palavra optou por uma versão mais amena e sem algumas passagens do original, "Nuestro Vinicius", lançado na Argentina há dois anos.

Descrições de pessoas foram suavizadas, e depoimentos de terceiros sobre elas, simplesmente limados (leia texto e veja quadro ao lado).

Os que tiveram mais aspectos de sua vida alterados ou arrancados na versão brasileira foram a cantora Maysa, o próprio poeta e uma de suas mulheres, a baiana Gesse.

Vinicius tinha trabalhado na embaixada do Brasil no Uruguai nos anos 1950 e, a partir de 1968, começou a frequentar de modo mais assíduo a capital argentina. O primeiro show grande foi em 1968, no teatro Opera, na avenida Corrientes, famoso reduto boêmio da cidade.

DUPLA FUNÇÃO

"Era uma dupla função, mas as pessoas da primeira sessão não queriam ir embora. Então, formou-se uma fila de mais de 3.000 pessoas do lado de fora", conta Wenner à Folha.

A jornalista afirma que Vinicius já era muito conhecido em Buenos Aires nessa época, por sua poesia e pela repercussão dos filmes "Um Homem, uma Mulher" (Claude Lelouch) e "Orfeu Negro" (Marcel Camus).

Vinicius zanzava por um circuito de hotéis, bares e casas de conhecidos, principalmente no centro da cidade e no bairro da Recoleta.

Ia a festas e conhecia figuras da cena artística local. O café-concerto La Fusa celebrizou-se por reunir o grupo de amigos do poeta.

"Era uma fase ruim para ele no Brasil. Era contestado por não falar de política e por cantar o amor e a mulher quando havia desaparecidos. Aqui, ele ficou mais à vontade", diz Wenner.

Vinicius frequentou Buenos Aires num momento em que o Brasil já vivia uma ditadura (1964-1985), enquanto a Argentina só entraria na sua em 1976.

ANOS DE CHUMBO

Mas o poeta viu chegarem os anos de chumbo em Buenos Aires de forma traumática. Em 18 de março de 1976, seis dias antes do golpe militar, o pianista Tenório Jr., que então fazia shows com Vinicius na cidade, saiu do hotel em que se hospedava à noite. Foi sequestrado e levado a um centro de detenção. Nunca voltou.

A história não ficou completamente esclarecida, mas a explicação mais provável é que ele tenha sido confundido com um guerrilheiro argentino e, quando os repressores se deram conta, era tarde demais.

"Vinicius ficou muito abalado com o episódio e, a partir daí, passou a vir menos para cá. O desaparecimento de Tenorinho foi o começo do fim de sua relação com Buenos Aires", diz Wenner.

VINICIUS PORTENHO
AUTORA Liana Wenner
TRADUÇÃO Diogo de Hollanda
EDITORA Casa da Palavra
QUANTO R$ 39,90 (192 págs.)

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