Teatro

Comédia brinca com passagens bíblicas

Os integrantes do grupo LaMínima percorrem a plateia caracterizados com vestes da Idade Média. Ao subirem no palco despojado de cenário, retiram os figurinos.

Ficam apenas com as roupas de baixo. "Mistero Buffo", comédia de Dario Fo que comemora 15 anos da companhia e estreia hoje, surge assim, despida de qualquer artifício para o riso.

A diretora Neyde Veneziano serve-se do texto de Fo, célebre ator, dramaturgo e encenador italiano, vencedor do Prêmio Nobel em 1997, do trabalho dos intérpretes e da intervenção sonora do ator e multi-instrumentista Fernando Paz.

A peça, de 1969, é formada por quatro histórias inspiradas em passagens bíblicas.

Em todas elas a fé é retratada sem reverências. Na segunda cena, por exemplo, Domingos Montagner e Fernando Sampaio, dupla de palhaços criadora do LaMínima, interpretam um cego e um paralítico. Eles se apavoram ao saber que estão na mesma rota de Jesus, homem que carrega a fama de fazer milagres.

Temem perder suas deficiências, suas fontes de renda.

Jesus é o único personagem comum a todas as histórias, entre os mais de 20 nos quais os atores se desdobram. Surge acompanhado de mendigos, ladrões e loucos, todos integrantes da mesma horda.

Para a diretora, o autor utiliza o passado como metáfora do presente. Discute temas que teimam em fazer parte de toda a história da humanidade, como ganância, exploração e pobreza.

Ela acredita que o humor ácido de "Mistero Buffo" bebe na fonte dos seculares "jograis", jornais orais que surgiram na Idade Média. Neles, artistas se utilizavam de seus talentos de palhaço e contador de histórias para narrar acontecimentos.

"Os jograis apresentavam suas visões de fatos bíblicos. Eram versões ao revés, bufas", explica a diretora.

Montagner conta que a obra de Dario Fo foi eleita "por colocar em primeiro plano a importância e a qualidade da comédia popular". Segundo ele, a identificação foi imediata:

"Os jograis fazem parte de um gênero de artistas que deu origem aos palhaços", diz.