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Amante beatnik

Carolyn Cassady, mulher de Neal Cassady que teve caso com o escritor Jack Kerouac, dá sua visão nada romantizada sobre a contracultura em documentário

Divulgação
O casal Carolyn e Neal Cassady, que se envolveu em triângulo amoroso como autor Jack Kerouac
O casal Carolyn e Neal Cassady, que se envolveu em triângulo amoroso como autor Jack Kerouac

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
DE SÃO PAULO

Carolyn Cassady já flagrou o amor da sua vida bêbado, drogado, nu com homens e mulheres -até o viu na cama com sua primeira mulher e o poeta Allen Ginsberg.

Por insistência do próprio marido, a moça "de sólida formação vitoriana" virou ponta de um triângulo amoroso com o escritor Jack Kerouac.

"Foi vontade do Neil me dividir com Jack. Eu era contra no começo, mas foi um ato de sobrevivência para continuar com o homem que amava."

Ela prefere um tempo em que Neal Cassady, o homem que inspirou Kerouac a ultrapassar sinais vermelhos da literatura com "Pé na Estrada" (LP&M; escrito em 1951 e publicado em 1957), vestia o terno atrás de "vida honesta".

A desconstrução desse mito da contracultura é feita no documentário "Com Amor, Carolyn", que estreia hoje no festival É Tudo Verdade, no Rio, e na sexta em São Paulo.

Neal era o anti-herói ideal no fim dos anos 1940. Seu estilo de vida libertário, que mandava às favas expectativas para o futuro, se ajustava à juventude norte-americana do pós-guerra como um suéter de gola rolê justinho.

O filme das suecas Maria Ramström e Malin Korkeasalo apresenta a história segundo Carolyn -hoje uma senhora de 88 anos, avessa à exploração comercial do "mito".

Não há romantização no olhar da mulher que já definiu a geração beat como "algo inventado pela mídia e por Allen Ginsberg". Na abertura do filme, reclama que o interesse sobre ela só existe por conta dos homens com quem dormiu. "Até você, gravando este documentário", diz em sua casa no Reino Unido.

Enquanto dobra um lençol dos anos 50, ironiza: "Talvez devesse vendê-los para Johnny Depp". Olha de soslaio quando os filhos sugerem a criação do "vinho Cassady e Kerouac" (o escritor morreu bêbado em 1969).

A codiretora Maria conta à Folha que a intenção do filme é fornecer "uma perspectiva feminina sobre uma era na história americana que é raramente descrita por qualquer um que não homens".

Ainda assim, a entrevistada odiou o resultado. "Ela gostaria que focássemos mais em suas habilidades artísticas, mas sabia que esse não era o filme que queríamos fazer", diz Maria, que conheceu a viúva em 1999.

Em "Pé na Estrada", Carolyn virou Camille -papel de Kirsten Dunst na adaptação de Walter Salles para o cinema.

PEIXE FORA D'ÁGUA

A sra. Cassady não é uma protagonista óbvia da história beatnik. Cresceu num lar em que a demonstração máxima de afeto era um abraço da babá. Ela também se diz frígida após abuso sexual de um irmão na adolescência.

Conheceu Cassady, Kerouac e Ginsberg quando fazia mestrado em arte na Universidade de Denver, em 1947. No ano seguinte, casou-se com Neal. Na primeira de muitas idas e vindas, ele trocou Carolyn e o filho de três meses pela estrada com Kerouac.

O documentário mostra uma gravação de Neal dançando alucinado, sob o efeito de drogas. "Ele se odiava por isso", diz a viúva. "Todos olham para mim, fico chapado e me comporto como um idiota", teria dito à mulher. "Perguntei, 'então por que faz isso?'. Ele respondeu: 'Não sei. Esperam isso de mim."

Ela rememora um aniversário de Neal interrompido por um telefonema de Kerouac da prisão. O amigo foi resgatá-lo, e eles voltaram horas depois com uma prostituta.

O casal teve três filhos. Em 1958, a união se abalou quando Carolyn não pagou a fiança de US$ 5.000 para Neal sair da prisão, detido com três cigarros de maconha.

Ele morreu em 1968, numa estrada do México, aos 41 anos. "A parte mais dura da minha vida é terminar sozinha", completa Carolyn.

COM AMOR, CAROLYN

QUANDO CCBB-RJ (hoje, às 10h30 e 30/3, às 18h30); em São Paulo, no Cinesesc (30/3, às 17h) e no CCBB-SP (31/3, às 19h)
QUANTO entrada gratuita
CLASSIFICAÇÃO 10 anos

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