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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Letícia Moreira/Folhapress
Maria Eugenia Almeida e Marina Abib, filha e nora de Antonio Nóbrega, como artista no Instituto Brincante
Maria Eugenia Almeida e Marina Abib, filha e nora de Antonio Nóbrega, como artista no Instituto Brincante

Causa Nóbrega

Seduzido pela cultura popular brasileira, o multi-instrumentista Antonio Nóbrega funda companhia de dança e protagoniza filme

Antonio Nóbrega em números: 60 anos de idade, 40 de carreira, 20 de Instituto Brincante, espaço de cultura e dança popular. Patrocínio de R$ 1,25 milhão da Petrobras. Três bandolins, três violões, 18 rabecas e oito violinos. Dois filhos, uma neta.

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É pouco.

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A história do instrumentista, dançarino e pesquisador da cultura brasileira é de multiplicação.

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A paixão pela cultura de raiz o levou aos palcos e ao altar. Influenciou a carreira profissional dos filhos e de amigos dos filhos. E o alimenta como artista e intelectual até hoje.

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"Minha cachaça é o Brasil. Troco partida de futebol e mesa de bar por uma leitura sobre a cultura popular", diz à repórter Thais Bilenky. "Faz 40 anos que me envolvo com puxantes de caboclinhos, brincantes de cavalo-marinho, batedores de alfaia e maracatu. Em algum momento, minha vida triscou em algo, viu e prendeu com muita força. E tem o poder de me alimentar desde então."

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O artista está fundando uma companhia de dança que vai funcionar em seu instituto, na Vila Madalena. Prepara um espetáculo em homenagem a Luiz Gonzaga. E criou coreografias para um filme sobre sua trajetória que está sendo dirigido por Walter Carvalho.

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Nóbrega toca violino, bandolim, violão, pandeiro, clarinete e saxofone. É coreógrafo e bailarino. Pesquisa e ensina. Seus últimos espetáculos -o mais recente, "Naturalmente", entrou em cartaz em 2009- foram aulas-show, em que interrompe números de dança para explicar o que apresenta. São, como diz, "performances entremeadas por canto e instrumentos conciliados com falas e depoimentos".

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"Ele anda mais introspectivo", diz o filho, Gabriel, 28. "Tá se vestindo de maneira mais sóbria, a estética dos espetáculos está mais sóbria. Acho que ele entrou numa fase síntese da carreira."

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O cineasta Walter Carvalho usa a mesma palavra, "síntese". O filme sobre o artista, "Brincante", sai no fim do ano, com patrocínio de

R$ 600 mil da Petrobras. É o quarto trabalho que Carvalho e Nóbrega fazem juntos. Já assinaram antes três DVDs.

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"Na minha cabeça, ele é uma síntese do Brasil. Um cara que bebe na fonte do popular e do erudito e tira disso uma leitura que é dele. É um caso profundo de dedicação consigo mesmo, compreende?", diz o diretor.

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Pela primeira vez tocará seus projetos sozinho. Sua filha, Maria Eugenia, 25, e a nora, Marina Abib, 24, que dançam em seus espetáculos há seis anos, fundaram a Companhia Soma e vão passar temporada na Europa. A mulher, Rosane Almeida, atriz e bailarina com quem trabalha desde que se conheceram, vai tocar um projeto paralelo. E o filho, Gabriel, que tocou percussão em sua banda desde que tinha dez anos, agora está no mercado publicitário.

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"Estou crescidinho para caminhar com minhas próprias pernas." Maria Eugenia acha que fará bem ao pai se livrar dos "pitacos" da família. "São bons pitacos. Devo muito a elas", responde ele.

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Há três décadas ainda morava no Recife, onde nasceu. Tinha 29 anos. Já dançava e tocava. Foi ver o show de um contorcionista. Zangou-se: "Trabalho todo dia com o corpo e não consigo fazer um décimo do que ele faz".

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A menina de 17 anos que estava sentada atrás dele escutou e achou graça. Um ano depois, se casaram. Começaram a trabalhar juntos. Faziam um espetáculo em que ele atuava e dançava. Ela contracenava mascarada ou fazendo a voz de bonecos.

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Dez anos mais tarde, fundaram o Instituto Brincante, espaço de ensino de manifestações artísticas na Vila Madalena, bairro paulistano onde moram.

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Para o longa Nóbrega contratou 20 bailarinos -por coincidência, quase todos paulistanos da periferia. Eles se encontraram nos últimos seis meses de 2011 três vezes por semana. Ensaiavam coreografias criadas para o filme. "Deu certo demais. Não tive nenhum atrito com um único bailarino."

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Dez desses bailarinos foram herdados pela recém-fundada Antonio Nóbrega Companhia de Dança, cujos ensaios começaram no final de março. Daqui a um ano, saem em turnê de 20 apresentações. Nóbrega terá R$ 650 mil da Petrobras para usar em dois anos.

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No meio tempo o artista apresenta o espetáculo em homenagem a Gonzaga. E haja pesquisa. "Ele gravou 1.660 vezes as suas músicas, algumas mais de uma vez. Tem entre 600 e 700 gravações originais. Das 200 que eu conheço, já está sendo difícil selecionar as que vou utilizar." O show deverá acontecer em setembro, no Auditório Ibirapuera.

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Nóbrega é metódico. Se não estiver viajando, acorda às 7h e faz 40 minutos de exercícios físicos enquanto assiste ao noticiário na TV. Toma café da manhã, um mingau de aveia que ele mesmo prepara há 25 anos. E dedica as manhãs aos estudos. "Se alguém interrompe, fica muito irritado", diz Gabriel.

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"As pessoas perguntam como consigo ser tão disciplinado. Eu digo, rapaz, para mim o difícil é ser indisciplinado. Eu não leio um livro só, não leio três somente. Eu leio seis ao mesmo tempo. A minha natureza é assim, não dá para mudá-la mais."

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Fez faculdade de letras, direito e música. Não concluiu nenhuma. "Tive formação muito boa. Meu avô [Manuel da Nóbrega] era um homem preocupado com os destinos do homem. Eu, um cara de 14 anos, me vi confidente intelectual dele. Tinha uma biblioteca extraordinária e escreveu livros maravilhosos." Busca na prateleira. "Ó os nomes, se quiser anotar: 'Demagogia Política e Religiosa', 'Vade Mecum do Pensador' e 'Realidades desse Mundo e Problemas do Outro'."

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Aos 18 anos, conheceu o dramaturgo Ariano Suassuna, determinante em seu mergulho profissional. "Ficava ouvindo as conversas e aquilo ia me enchendo de informação, aguçando minha curiosidade. Se me aparece uma coisa muito pouco estudada, muito fértil, eu digo: Acho que eu vou é aprofundar. Senti esse chamado."

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Sua casa no Recife sofria enchentes com frequência. Nóbrega deixava a chuva levar tudo -menos os livros. Até hoje guarda alguns com marca de água. Diverte-se ao lembrar de um alagamento que ocorreu quando tinha 24 anos: "Saí de casa com um papagaio numa mão e um violino na outra".

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Apaixonado pelo violino, sim. O erudito pelo erudito, não. "É meio esquisito que a gente tenha numa cidade como São Paulo mais de dez orquestras sinfônicas mantidas por empresas ou instituições públicas e não tenha sequer um grupo de choro mantido por qualquer instituição."

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Nóbrega defende "um Brasil que juntou, teve uma mestiçagem racial e cultural popular. As tradições culturais têm riquezas que não percebemos. Tô muito atento para encontrar conteúdos e valores que, se a gente consegue aprender e colocar na dinâmica da vida contemporânea, porra, acho que a vida moderna seria melhor".

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