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Análise

De lucro certo, filmes do comediante tinham encontro marcado com público

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Desde o primeiro sucesso na Vera Cruz, "Sai da Frente" (1952), até o fim da carreira, "O Jeca e a Égua Milagrosa" (1980), Mazzaropi encarnou melhor do que ninguém o sonho brasileiro de ocupação de seu próprio mercado.

Alguns filmes fizeram mais sucesso do que outros, alguns eram melhores do que outros. Não importa: todo mundo sabia que no dia 25 de janeiro, aniversário de São Paulo, o cinema Art-Palácio, na av. São João, estaria reservado para "o filme do Mazzaropi".

Ter uma data reservada numa das principais salas da cidade e, à sua disposição, o então muito importante circuito Serrador eram privilégios reservados só às distribuidoras norte-americanas.

Somente Mazzaropi furava esse cerco, pois com ele os exibidores tinham certeza de lucro nas bilheterias.

Seu humor raramente coincidiu com o gosto dos críticos. Havia nele um quê de Cantinflas, o mexicano, mas infinitamente mais limitado.

Que importa? Ano após ano, o público provava que estava com ele, com seu andar desengonçado, com a gestualidade característica (por exemplo: tirando o chapéu para coçar a cabeça, antes de opor às certezas sabidas da cidade a dúvida arguta do caipira).

O tipo de Mazzaropi, herdado em grande parte de Genésio Arruda, beneficia-se da mitologia do Jeca Tatu consagrada por Monteiro Lobato, que, no entanto, traduziria em termos positivos: ao caboclo indolente e doentio, Mazzaropi respondia com a imagem de um personagem de inteligência viva, nunca conformado com o modo como as coisas se apresentavam a ele. Mas conservador, claro.

Com Mazzaropi, a imagem do caipira se mistura à do ser urbano: a tensão do êxodo rural pode ser encontrada em seu personagem e no tipo de sabedoria que o personagem partilhava com o seu criador.

Ao se recusar a fazer TV, por exemplo, Mazzaropi raciocinava em termos comerciais: achava que a TV desgastaria a imagem (fato que os Trapalhões desmentiriam depois).

Mas algo nessa decisão expressava também a percepção de que a TV anunciava a agonia do mundo que o cinema representava.

Com efeito, hoje, 60 anos depois de sua estreia no cinema, quem garante o prosseguimento do sonho de ocupação do mercado brasileiro pelos filmes brasileiros é a Globo, seus artistas, seus diretores, com o padrão "De Pernas pro Ar" de qualidade.

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