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Análise

Saraceni foi fiel à inquietação do cinema novo

Cineasta morto no sábado resistiu à prova do tempo com uma obra pulsante, inconformada e sem concessões

RICARDO CALIL
CRÍTICO DA FOLHA

ELE FOI O DIRETOR QUE MAIS MERECEU CONTINUAR OSTENTANDO O ADJETIVO DA EXPRESSÃO CINEMA NOVO

Nelson Pereira dos Santos declarou que "o cinema novo era quando o Glauber [Rocha] estava no Rio". Ou seja: menos um movimento organizado do que um estado de espírito insuflado pelo líder.

Nesse sentido, é possível dizer que Paulo Cezar Saraceni -que morreu no sábado, aos 78 anos, vítima de disfunção múltipla dos órgãos- foi não apenas um dos primeiros cinemanovistas como talvez o último.

O título de pioneiro (e o de sobrevivente) do movimento deveria caber a Nelson Pereira, mas este vem dando sinais de desconforto no papel, argumentando que pertence a uma geração anterior e que fez três longas antes da deflagração do cinema novo.

Depois de Santos, o nome de Saraceni surge naturalmente. Seu curta documental "Arraial do Cabo" (1959) foi considerado uma das sementes do cinema novo -ao lado de "Aruanda" (1960), de Linduarte Noronha (que morreu também neste ano).

Já o longa "O Desafio" (1965) foi a primeira obra do movimento protagonizada por um intelectual urbano, antecipando "Terra em Transe" (1967), de Glauber Rocha.

Além disso, foi Saraceni quem proferiu a frase que virou slogan informal do movimento: "Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça".

Talvez mais importante do que buscar provas de pioneirismo seja observar como Saraceni se manteve fiel ao espírito original do cinema novo: inquieto, inconformado, sem concessões.

Seus companheiros de geração ou morreram (Glauber Rocha, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade) ou fizeram, de forma mais ou menos explícita, uma opção pelo cinema de mercado (Luiz Carlos Barreto, Zelito Viana, Arnaldo Jabor, Cacá Diegues).

Já Saraceni continou movido sobretudo por suas paixões -que podiam ir da obra do escritor mineiro Lúcio Cardoso (cujos argumentos inspiraram "Porto das Caixas", "A Casa Assassinada" e "O Viajante") à Banda de Ipanema (que homenageou em documentário de mesmo nome).

Talvez pela fidelidade a suas obsessões, Saraceni resistiu bem à prova do tempo. "O Gerente", seu trabalho mais recente, foi o filme de maior frescor do Festival de Tiradentes no ano passado, ao lado de obras de diretores com um terço de sua idade.

Dos remanescentes do cinema novo, Saraceni foi o que mais mereceu continuar ostentando o adjetivo "novo" - e, talvez, até mesmo o substantivo "cinema".

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