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Crítica / Infantil

Fábulas confirmam Kipling entre os grandes da literatura

FLÁVIO MOURA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O tempo foi cruel com a obra do inglês Rudyard Kipling (1865-1936). Consagrado em vida com o Nobel, que ganhou em 1907, e um dos autores mais populares de seu tempo, ele foi com o passar dos anos reduzido à condição de cronista oficial do imperialismo britânico.

Mas seus livros fizeram mais do que glorificar a presença inglesa nas colônias. Kipling era um fabulador de mão cheia, excelente fazedor de versos (seu poema clássico, "If", também sofreu com a vulgarização) e exímio autor de livros infantis.

O relançamento recente de "Histórias Assim" ajuda a lembrar essas qualidades do ficcionista. Publicado em 1902, o livro não tem nada de oba-oba da opressão inglesa.

É uma reunião de pequenas fábulas destinadas às crianças que consegue ser engraçada, inventiva com a linguagem e levar o leitor a sério, não importa a idade.

São histórias que escreveu para contar à filha Josephine e que respondem a perguntas do tipo: como surgiu a corcova do camelo? E a tromba do elefante? Por que o leopardo tem manchas? Como foi feito o alfabeto?

A corcova surgiu por um motivo simples: o camelo, no início dos tempos, era preguiçoso demais e então foi punido com a corcunda, que lhe permitia passar dias trabalhando sem comer.

A tromba surgiu de modo mais cruel: o elefante, cujo nariz era originalmente parecido com uma bota, foi se engraçar com um crocodilo, tomou uma mordida e ficou daquele jeito.

São histórias que lembram contos de "As Mil e Uma Noites", cheios de gênios, desertos, animais falantes e lances fantásticos. Mas trazem trocadilhos, rimas, repetições, jogos de linguagem e indagações que fundem experimentalismo e diversão.

A certa altura, lê-se que o canguru pulou "através das Flinders e das Cinders". As Flinders são uma região da Austrália, mas as Cinders, que no contexto podem parecer algo do gênero, não passam de uma rima.

O livro vem acompanhado de ilustrações do próprio autor. Elas são um show à parte, não pelo virtuosismo plástico, mas pelas descrições que as acompanham.

"Abaixo da ilustração há sombras de animais africanos entrando numa arca africana", escreve Kipling. "Não significam nada. Eu os coloquei ali porque são bonitinhos. Ficariam bem mais bonitos se eu tivesse permissão para colorir os desenhos."

Passada a voga das leituras culturalistas empenhadas em desqualificar autores como Kipling, o momento é bom para revalorizar o escritor inglês, que não tem por que não figurar entre os grandes da literatura do século 20.

FLÁVIO MOURA é jornalista e doutor em sociologia pela USP.

HISTÓRIAS ASSIM
AUTOR Rudyard Kipling
EDITORA Octavo
TRADUÇÃO Myriam Campello
QUANTO R$ 45 (232 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

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