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Crítica / Memória

Evocativos e sóbrios, textos de Tony Judt têm toque proustiano

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

O historiador inglês Tony Judt (1948-2010) estava com 60 anos quando recebeu o diagnóstico de uma doença degenerativa que em pouco tempo o impossibilitaria de se mover e de falar.

Seu depoimento sobre a enfermidade, já publicado na Folha em 10 de janeiro de 2010, reaparece agora no livro "O Chalé da Memória", ao lado dos outros textos autobiográficos que, em condições exasperantes, ele conseguiu elaborar antes de sua morte.

Especialista na história contemporânea europeia (seu livro "Pós-Guerra" foi publicado no Brasil em 2008, pela Objetiva), Judt não se demora demasiado em pormenores pessoais.

Suas lembranças se impregnam de política e economia. Em outros de seus livros recentes, como "O Mal Ronda a Terra" (ed. Objetiva), Judt se mostra um meticuloso crítico do crescimento da desigualdade social nos países desenvolvidos.

CHEIROS

O tema é retomado por Judt em "O Chalé da Memória" numa chave discretamente proustiana.

Ele recorda o cheiro e o estofamento do transporte público londrino, as experiências com a péssima comida da infância (amenizadas pela culinária judaica na casa dos avós paternos) e suas modestas férias familiares na Suíça (onde ficava o chalé do título do livro).

Cada um desses capítulos -cuja estrutura por vezes se assemelha à de um conto, com boas surpresas no final- traz a nostalgia de um mundo menos consumista, menos atulhado de gente, mais austero nas maneiras.

Judt não perde de vista, entretanto, o que havia de desconfortável, de insosso, de poluído e de cinzento na Inglaterra de meados do século passado.

Vivendo em condições modestas, ele amargou a violência e a estupidez de seus professores na escola do bairro.

Livrou-se deles graças à crescente democratização dos critérios de ingresso no ensino superior britânico, podendo estudar na prestigiosa Cambridge.

Democratização que, como Judt lembra com certa amargura, não se confunde com o atual rebaixamento das exigências quanto ao desempenho dos alunos.

CRISE NA ESQUERDA

O tom de autocrítica geracional não se restringe ao tema do afrouxamento dos critérios acadêmicos.

Judt lastima também o longo desinteresse da esquerda pelos movimentos de contestação no Leste Europeu e a timidez diante das imposições do "politicamente correto", especialmente nos Estados Unidos, país onde o historiador se fixou.

Suas considerações sobre o passado mais recente não têm o mesmo sabor das que dedica à infância -e é de lamentar que, na reedição em livro de tantos textos publicados originalmente na "New York Review of Books", não se tenham acrescentado fotografias que complementassem a escrita, ao mesmo tempo evocativa e sóbria, desse importante historiador.

O CHALÉ DA MEMÓRIA
AUTOR Tony Judt
EDITORA Objetiva
TRADUÇÃO Celso Nogueira
QUANTO R$ 32,90 (224 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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