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De Zé Pequeno a gente grande

Dez anos depois de 'Cidade de Deus', documentário encontra atores entre fama e anonimato

MATHEUS MAGENTA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Ao longo dos dez anos que sucederam sua pré-estreia no Festival de Cannes, o filme "Cidade de Deus" viu sua estética reverberar no cinema brasileiro em obras como "Tropa de Elite" e seu elenco de jovens atores se dividir entre o sucesso, o ostracismo e a marginalidade.

Um deles, que fez parte do criminoso Trio Ternura no filme como o personagem Alicate, se envolveu com drogas e hoje está desaparecido.

"Ele saiu da ficção para a realidade. Virou traficante e hoje está desaparecido. O menino tinha arte, mas ele não soube administrar a potência do sucesso que o filme teve."

O relato acima sobre o destino incerto de Jefechander Suplino foi feito à Folha pelo cineasta Luciano Vidigal.

Ao lado de Cavi Borges, ele filma um documentário para mostrar o destino dos atores dez anos após a primeira exibição do longa de Fernando Meirelles, em maio de 2002.

"Uns souberam aproveitar as oportunidades, outros viram que não tinham jeito para a coisa e seguiram outras carreiras. E há aqueles que se descobriram atores ou se deslumbraram, se beneficiaram na época, mas depois perderam o rumo", relatou Borges.

O documentário mostrará o destino de quase 30 atores. Metade continua atuando, quatro se envolveram com crimes e drogas e o restante desistiu ou não conseguiu seguir a carreira artística.

Com dificuldades financeiras para concluir o documentário, eles correm contra o tempo para não perder a efeméride de dez anos e conseguir participar do Festival do Rio, em setembro.

Felipe Paulino, hoje com 18 anos, atuou em uma das cenas mais polêmicas do longa. Seu personagem leva de Zé Pequeno (Leandro Firmino) um tiro no pé.

Após o filme, enfrentou problemas familiares na administração de sua carreira de ator mirim. Hoje, é menor aprendiz em um hotel do Rio.

"Eu ainda tenho o sonho de ser ator", afirmou. Já o colega de cena hoje se sustenta com os cachês de ator.

Firmino atuou em séries como "A Diarista" (Globo), e filmes como o inédito "Totalmente Inocentes", de Rodrigo Bittencourt, paródia do gênero "favela movie", consagrado com "Cidade de Deus".

Apesar do pequeno papel que teve no longa, Thiago Martins desponta hoje como um dos galãs da novela das 21h, "Avenida Brasil" (Globo).

Preocupados com o destino dos atores após o filme, Meirelles e a codiretora Kátia Lund ajudaram a transformar a oficina de interpretação criada para os quase 200 jovens pré-selecionados para a produção em um projeto social com uma produtora e uma escola de cinema.

Chamado hoje de Cinema Nosso, o projeto é presidido por um dos atores do filme, Luis Carlos Nascimento.

ESTIGMA

Baseado no livro homônimo de Paulo Lins -que levou 15 anos até lançar outra obra (leia crítica na pág. E4)-, o filme retrata a comunidade carioca desde a criação nos anos 1960 até os anos 1980, durante uma guerra entre as gangues de Zé Pequeno e Mané Galinha (Seu Jorge).

O local tem hoje 36 mil habitantes, segundo o IBGE. Parte deles diz que, após o filme, ficou estigmatizada em outras regiões do Rio.

"No filme, 99% das pessoas eram criminosas. Na época, quem dizia que era da Cidade de Deus não conseguia emprego. Hoje ainda há preconceito", disse o morador Roberto de Carvalho, 55.

"O problema é a generalização. Não se pode dizer que todo jovem de cor que mora nesses locais é violento", diz a antropóloga Alba Zaluar, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

"Qual favela não é estigmatizada?", rebate Lins. Para ele, o livro e o filme foram essenciais para atrair investimentos públicos para o local.

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