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Crítica / História "Ganhou, Leva!" mostra vocação capitalista do jogo do bicho desde sua criação, em 1892 OSCAR PILAGALLOESPECIAL PARA A FOLHA Adaptação de uma tese acadêmica, "Ganhou, Leva!" é uma espécie de pré-história do jogo do bicho no Rio. Nomes associados à contravenção que hoje frequentam as páginas de política dos jornais estão ausentes do livro, uma vez que Felipe Magalhães interrompe a narrativa em 1960. Comparado aos grandes interesses com que o jogo se misturou nas décadas seguintes, o quadro de delitos no período analisado pelo autor ganha uma tonalidade quase romântica. Nem por isso a obra deixa de ter relevância. Para começar, o autor tem profundo conhecimento do tema, não só como pesquisador, mas por laços familiares: seu avô materno, Altair Santos, trabalhou em fortalezas do bicho por quase 50 anos. Magalhães também acerta no enfoque. Critica estudos anteriores que recobriram o jogo do bicho com a aura da resistência popular, como se houvesse "uma contraposição da cultura popular ao Estado e ao capitalismo". O autor também faz reparos à visão do antropólogo Roberto DaMatta, que valoriza o jogo como "carnavalização do capitalismo" e não reflete sobre essa instituição como empresa. A história contada por Magalhães mostra como, com o passar do tempo, essa "loteria foi tomando ares de empreendimento capitalista". CAPITALISTA O livro desmonta o mito de que o jogo teria nascido para compensar o corte do subsídio ao Jardim Zoológico da cidade no início da República, o que daria uma conotação política à decisão, já que a verba anual fora concedida no fim do Império. Na realidade, o zoológico, criado em 1888, contava com um dinheiro público que seu fundador, o barão de Drummond (1825-1897), considerava insuficiente. Para aumentar a receita, dois anos mais tarde, ele solicitou permissão para explorar o jogo, e o primeiro sorteio foi feito em 1892. A iniciativa capitalista, portanto, é contemporânea do jogo. O barão podia ter a intenção de modernizar a cidade, mas visava ao lucro. Felipe Magalhães o pinta como um empreendedor que se mantinha atrelado "aos resquícios de uma economia movida por privilégios e concessões, constituindo mais um exemplo do liberalismo brasileiro". A contravenção decorreu da proibição do jogo, a partir de 1895. Na ilegalidade, o jogo do bicho prosperou. Entre as razões do sucesso estão a capilaridade dos pontos de venda, o baixo valor de cada aposta, o apoio da imprensa na fase inicial e a honestidade associada aos banqueiros do bicho, que não deixam de pagar aos apostadores vencedores. Magalhães nota a contradição. "Não deixa de ser paradoxal a ideia de um jogo clandestino honesto, uma loteria que funcionaria graças à corrupção de policiais e de delegados." Meio século mais tarde, o paradoxo persiste. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros |
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