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Retrato do artista

Exposição no Masp reúne telas, desenhos e esculturas do mestre moderno Amedeo Modigliani a partir desta quinta-feira

Divulgação
"Grande Figura Nua Deitada", tela de 1918 que está na mostra do Masp
"Grande Figura Nua Deitada", tela de 1918 que está na mostra do Masp

SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

Durou só três horas a primeira e única mostra individual que Amedeo Modigliani fez em vida. Quando o artista expôs 33 nus femininos numa galeria parisiense em 1917, a polícia interditou a exposição no vernissage, alegando ser um atentado ao pudor.

Diante de suas telas, no entanto, essa acusação espanta. Seus nus, um deles agora peça-chave da grande mostra do artista italiano que começa no Masp nesta quinta, não têm quase nada de lascívia.

Modigliani, que morreu tísico aos 36 anos, em 1920, foi para os críticos um retratista da alma, um artista que mergulhava na psique de seus modelos. Na cultura popular, é o cara que pintava homens e mulheres de pescoços alongados e traços angulosos.

E uma coisa não anula a outra. Sua forma de ver o mundo partiu de uma noção clara da cultura clássica, grega e renascentista. Passou pela influência de vanguardistas -Brancusi, na escultura, e Cézanne, na pintura- e terminou distorcida por uma visão arraigada em conceitos e números da cabala judaica.

Talvez por esses e outros motivos suas mulheres nuas jamais teriam a volúpia ou o realismo do que fez Gustave Courbet com o sexo escancarado da modelo no clássico "A Origem do Mundo", nem mesmo as segundas intenções da "Olympia", de Manet.

"É uma visão traumática do corpo feminino, sem provocações ou sedução", analisa Christian Parisot, um dos curadores da mostra no Masp. "Aspectos anatômicos não interessam, já que ele propõe uma nova dinâmica do corpo feminino, inaugura uma sensualidade distinta."

RETRATO DE CÉLINE

Em sua "Grande Figura Nua Deitada", que estará no Masp, Modigliani retratou Céline Howard, mulher de um escultor americano em Paris.

"Ela posou três vezes para ele, sempre ao lado do marido cão de guarda", conta o crítico Olívio Guedes.

"Ele fez sua carne de cores quentes, manipulando a temperatura da pele. Mas ao mesmo tempo construiu um olhar que escruta, quase capaz de ver dentro do espectador."

Modigliani fez dos olhos de seus retratados uma espécie de radiografia dos sentimentos. Escondeu neles muitas vezes símbolos e números cabalísticos. Também alternava texturas, eliminava a íris de alguns retratados, fazendo olhos chapados, negros, ou até quadriculados, penetrantes e estranhos.

Seus ambientes, sempre fechados e em tons quentes, também reforçam essa ideia de mundo intimista, figuras mergulhadas num universo paralelo que se alongam e se esticam em direção ao céu.

Esses rostos e olhos ovalados e pontiagudos vêm ao mesmo tempo dessa visão religiosa -a ideia cabalista de uma descida da luz divina para o plano terreno-, de obras de artistas vienenses como Klimt e Egon Schiele e das esculturas que observou, desde os exemplares africanos que faziam a cabeça dos cubistas ao reducionismo formal das obras de Brancusi.

Modigliani, aliás, construiu quase toda a sua obra, mesmo as pinturas, usando um raciocínio escultórico, de traços sintéticos e linhas de força bruta. Seus biógrafos dizem que ele só não se tornou um grande escultor pela fraqueza de sua musculatura e sua doença pulmonar.

PRIMITIVOS E CUBISTAS

Usando as pedras importadas para a construção do metrô de Paris e papel de embrulhar pão para fazer seus rascunhos, Modigliani fez algumas esculturas, como as cariátides da mostra no Masp.

"Ele tem um grande interesse pela estatuária grega e, ao mesmo tempo, por obras primitivas", analisa Parisot. "Sua escultura é uma combinação de elementos negroides com preceitos cubistas."

Mas tanto as esculturas quanto as pinturas devem toda a sua força à compulsão febril com que desenhava. Ele chegava a fazer até cem desenhos por dia em folhas que se acumulavam no ateliê e desapareceram com o tempo.

"Essa era sua maneira de traduzir em imagens suas visões imediatas", diz Parisot. "São testemunhos do pensamento por trás das obras."

No fundo, Modigliani misturou cânones clássicos e vanguardistas para construir uma obra única, um estilo que críticos não associam a uma escola ou movimento. "É algo só dele", diz Parisot. "Modigliani não teve mestres nem deixou discípulos."

AMEDEO MODIGLIANI
QUANDO abre amanhã, às 19h30, para convidados; de ter. a dom., das 11h às 18h; qui., das 11h às 20h; até 15/7
ONDE Masp (av. Paulista, 1.578, tel. 0/xx/11/3251-5644)
QUANTO R$ 15

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