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Crítica / História

Livro inaugura transposição mecânica da questão racial americana para o Brasil

MANOLO FLORENTINO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Há quase 40 anos, Tomas Skidmore publicou os resultados de uma pesquisa de objetivo ambicioso: desvendar a maneira através da qual o "fator raça" era abordado pela elite intelectual brasileira entre 1870 e 1930, principalmente -e chegando, porém, à década de 1950.

A dificuldade maior advinha do fato de aqueles intelectuais viverem num país com alto grau de miscigenação e em um Ocidente em que predominavam a crença na superioridade branca e na degenerescência contida na mestiçagem.

A resposta de Skidmore para resolver o imbróglio: assumir que mistura racial não despertava maior oposição por parte de nossa elite culturalmente branca.

Essa postura teria permitido apostar na combinação entre as taxas declinantes da natalidade negra, a força genética dos mais brancos, os matrimônios fundados em escolhas de parceiros mais claros e a imigração europeia para resolver o problema. Embranquecer seria uma questão de tempo.

Skidmore foi preciso nessa análise. No entanto, atualmente sabemos que suas conclusões são pertinentes somente quando se referem a uma parcela daqueles intelectuais, pois o conjunto era muito mais heterogêneo do que imaginava o historiador norte-americano.

Manoel Bonfim e Alberto Torres, por exemplo, não eram os únicos a descrer em raças e em hierarquias.

Por certo, havia intelectuais como João Batista de Lacerda, a prever que hoje (2012) 80% da população brasileira seria branca, 17% índia e 3% mestiça, sem um único negro entre nós.

Mas tivemos igualmente pensadores como Machado de Assis, um universalista pouco interessado na "questão racial" e mais sensível à escravidão a que nos sujeita a própria condição humana.

Aliás, sobre Machado, conclamou o abolicionista José do Patrocínio: "Odeiem-no porque é mau; odeiem-no porque odeia a sua raça, a sua pátria, o seu povo."

Segundo Thomas Skidmore, a partir da década de 1920, ocorreu a lenta separação entre raça e cultura, sedimentada em 1933 com a publicação de "Casa Grande e Senzala", de Gilberto Freyre.

Mas, neste ponto, seu livro perde força, talvez por excesso de síntese (característica enviesadamente ressaltada por Skidmore em prefácio à edição de 1993) e, sobretudo, por um tratamento pouco sofisticado do fenômeno da mediação cultural.

Ainda assim, vale a pena ler "Preto no Branco?". Claro que sim. Até por seu valor como fonte histórica.

Como mera hipótese, há a possibilidade de que o livro de Skidmore tenha inaugurado a transposição mecânica da pauta racial norte-americana para o Brasil, onde deitou raízes e, hoje, chega a impor diretrizes no estabelecimento de políticas públicas.

MANOLO FLORENTINO é historiador, professor da UFRJ e autor de "Em Costas Negras" (Companhia das Letras), entre outros livros

PRETO NO BRANCO
AUTOR Thomas E. Skidmore
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Donaldson M. Garschagen
QUANTO R$ 49 (400 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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