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Crítica Música Clássica

Orquestra de Berlim contrasta mundos em ótima apresentação

Sob regência de Ashkenazy, sinfônica apresentou Beethoven e Shostakovich em abertura de temporada

SIDNEY MOLINA
CRÍTICO DA FOLHA

AS MADEIRAS ESTAVAM ENCANTADAS, MAS ASHKENAZY SABE QUE OS SEGREDOS DA "PASTORAL" ESTÃO NOS CONTRACANTOS DAS CORDAS

O som das cordas foi arredondando ao longo da "Sinfonia Pastoral" (1808) de Beethoven (1770-1827): mais rústico no primeiro movimento, foi adquirindo uma cor mais escura e polida a partir do "Andante".

A obra, apresentada pela Orquestra Sinfônica Alemã de Berlim (Deutsches Symphonie Orchester Berlin) em São Paulo, sob a regência do consagrado pianista Vladimir Ashkenazy, fala de um mundo quase sem véus entre o homem e a natureza.

O artista leva às últimas consequências a idealização da vida no campo -com sua meta de simplicidade e clareza- tão em voga durante a segunda metade do século 18, antes da virada cultural da modernidade.

Mas, apesar do motivo tradicional, já é Beethoven quem fala. E ele tem acertos a fazer -o mais importante deles com o Mozart de "Don Giovanni", na cena da "Tempestade" inserida entre o terceiro movimento e o finale.

As madeiras estavam encantadas (impossível não citar o clarinetista Marco Thomas), mas Ashkenazy sabe que os segredos da "Pastoral" estão nos contracantos das cordas e, como em suas gravações ao piano, faz o "recheio" aparecer sobre a "cobertura" nas repetições.

De outra ordem é a "Sinfonia nº 10" (1953) de Shostakovich (1906-75), estreada em Leningrado logo após a morte de Stálin.

Ela é a voz de um mundo quebrado, de uma subjetividade cindida, do crepúsculo das ilusões. É dura e também fragmentada, e foi transmitida com o sangue russo de Ashkenazy e a perícia dos músicos alemães.

Após dois anos dominados por Mahler, há forte tendência a favor de Shostakovich nas temporadas de concerto paulistas: a Osesp programou quatro de suas sinfonias para este ano (uma delas no concerto de abertura), e a OSB apresentou aqui a "Décima" há menos de um mês.

Tudo isso não é sem razão, já que é com Mahler, aliás -e não com Stálin-, que Shostakovich parece ter de acertar contas nos dois movimentos finais da "Sinfonia nº 10".

A autoconfiança do primoroso "Moderato" (primeiro movimento) e a violência sintética do segundo movimento perdem força adiante, como se o conflito entre entusiasmo e técnica trouxesse insegurança para a realização de uma voz própria.

É muita angústia. E também fracasso, pois Shostakovich não pode mais apresentar as fraturas do eu e os estilhaços do mundo com tintas metafísicas.

Por isso, o bis da apresentação, com "Aquarela do Brasil", não caiu bem, apesar de o público ter gostado. Afinal, a idealização do samba-exaltação varre para baixo do tapete justamente aquilo que, a muito custo, Shostakovich trouxera à tona.

ORQUESTRA SINFÔNICA ALEMÃ DE BERLIM

AVALIAÇÃO ótimo

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