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Crítica Romance

John Irving se apoia na força de suas tramas

Em tempos de apologia da rejeição do enredo, escritor americano preserva papel de contador de boas histórias

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

O ENREDO DE IRVING DEIXA O LEITOR ACESSAR OUTRA Lógica, A Dos Sonhos SONHADOS COM OS OLHOS BEM ABERTOS

John Irving é daqueles autores de grande sucesso nas décadas de 1970 e 1980 que caíram injustamente no esquecimento do leitor brasileiro.

Aluno de Kurt Vonnegut (cuja trajetória é parecida com a sua), esse ex-atleta de luta greco-romana e fã de Charles Dickens se tornou um campeão de sebos por aqui.

Em seu último romance, "A Última Noite Perto do Rio", Irving demonstra outra vez ser um grande adepto do enredo. Será o seu pecado?

Em tempos de rarefação da trama e de louros (mesmo que póstumos) para sujeitos tão avessos a ela como W. G. Sebald, Roberto Bolaño ou David Foster Wallace, apoiar-se na trama pode ser um convite às pedradas críticas, simplesmente pelo fato de o autor assumir seu papel de contador de histórias, o que Irving faz com regularidade em apresentações de seus livros, mas não sem certo chororô.

No posfácio de "A Última Noite", ele relata como uma mulher o recriminou por manter enredos até na conversa amena do jantar de que ambos participavam, ao que Irving retruca: "Ela parecia ofendida pelo que eu representava: o romance longo, com um enredo. Eu era um dinossauro -ou pior, um reacionário. Ela estava buscando uma conversa intelectual, teórica demais para mim, e eu tinha feito algo inimaginável (): eu tinha contado a ela uma história".

Os tijolos de 500 páginas ou mais do escritor nascido em New Hampshire são precisamente histórias bem contadas, com vícios argumentais que primam pela regularidade: a repetição de cenários da Nova Inglaterra, acidentes fatais, lutadores, escritores como personagens, transexuais e um amor tremendo pela espécie humana.

A do novo livro é a seguinte: numa comunidade de lenhadores às margens do rio Twisted, vivem o cozinheiro manco Dominic e seu filho de 12 anos Danny, além do amigo (grande personagem de imenso coração) Ketchum. Corre a década de 1950.

Então um rapaz morre, arrastado pelas águas ao cair dos troncos que conduzia. Depois, há a morte acidental de uma índia, amante de Dominic, cometida por Danny, e pai e filho caem na estrada numa fuga que se estende por décadas, até os eventos de 11 de setembro de 2001.

As histórias de John Irving costumam receber reparos devido à sua inverossimilhança, mas isto pouco interessa, e o que merece ser ressaltado de verdade é o poder que seus enredos têm de vencer o tempo cotidiano externo à ficção, permitindo ao leitor acessar uma outra lógica, a dos sonhos sonhados com os olhos bem abertos.

JOCA REINERS TERRON é autor de "Do Fundo do Poço se vê a Lua" (Companhia das Letras)

A ÚLTIMA NOITE PERTO DO RIO

AUTOR John Irving
EDITORA Rocco
QUANTO R$ 65 (672 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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