Índice geral Ilustrada
Ilustrada
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Análise

Multiplicidade cultural latina marcou obra de Carlos Fuentes

Escritor mexicano, morto na terça, deixa produção inesgotável e contundente

ANA LÚCIA TREVISAN
ESPECIAL PARA A FOLHA

No panorama das letras e da história da América Latina, Carlos Fuentes (1928-2012) definiu um espaço intelectual vigoroso, marcado pelos vínculos com o contexto estético do "boom" e por sua postura crítica frente aos acontecimentos que definiram a política do continente.

As primeiras publicações, o volume de contos "Los Días Enmascarados" (1954) e o romance "La Región Más Transparente" (1958) foram o ponto de partida de uma obra contundente e aparentemente inesgotável.

No conjunto dos seus romances, inúmeros contos, obras de teatro ou ensaios e incontáveis entrevistas, observa-se uma avidez por transformar em palavra as nuances de um continente culturalmente efervescente, múltiplo e complexo na sua modernidade descontínua.

Assinalado pela crítica como escritor denso, tem sido objeto de estudos literários, sociológicos e mesmo antropológicos. Em meio a tantas aproximações cabe mais uma ponderação: Fuentes foi, acima de tudo, um apaixonado confesso pela literatura, na sua profundidade significativa, traduzida nas surpresas do uso da linguagem.

Como crítico literário foi minucioso e extremamente erudito, revelando, assim, as outras faces de sua ânsia pela palavra: a voracidade da leitura, o encantamento quixotesco pelo poder sempre transformador das histórias bem contadas.

As ideias de Fuentes sobre a multiplicidade de culturas imanentes à realidade hispano-americana se refletiram em sua obra ficcional por meio de diferentes arquiteturas textuais.

A elaboração estética de romances como "La Muerte de Artemio Cruz" (1962), "Cambio de Piel" (1967) ou "Terra Nostra" (1975) são exemplos de uma literatura que exige um leitor crítico, em certo sentido corajoso, disposto a enfrentar os enigmas propostos nas entrelinhas das tramas textuais.

Para Fuentes, a concepção da arte de narrar relaciona-se à experiência implícita a origem das fundações míticas. A literatura pode imprimir forma ao caos, legitimando as ordens plurais de pensamento, redefinindo as identidades, explicitando os dramas humanos.

A leitura da obra de Carlos Fuentes transforma-se em oportunidade valiosa para um desvendamento não linear das culturas ibéricas e ibero-americanas, pois seus retratos ficcionais são capazes de resgatar os mecanismos de sobrevivência e até mesmo de resistência cultural.

Em 1987, no discurso de recebimento do Premio Cervantes, Fuentes refletiu sobre a atuação do escritor na América Latina, reivindicando os sentidos da imaginação como um caminho efetivo para o entendimento da realidade.

Considerou, então, os autores de ficção como os criadores das novas mitologias latino-americanas, os territórios livres da diversidade.

ANA LÚCIA TREVISAN é autora de "O Espelho Fragmentado de Carlos Fuentes" (ed. Mackenzie) e doutora em Letras pela USP

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.