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Crítica / Ensaio

Risério ousa ao interpretar nossa história urbana

Em "A Cidade no Brasil", antropólogo e poeta baiano não teme apostar na boa utopia do bem-estar comum

O RESULTADO É UM LIVRO DE REFLEXÃO SOLTA, SEM REFERÊNCIAS OCIOSAS, MAS NEM POR ISSO MENOS PROFUNDO

LILIA MORITZ SCHWARCZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em "As Cidades Invisíveis", Italo Calvino cria um diálogo improvável entre Kublai Khan e Marco Polo sobre as cidades do recém-conquistado império mongol, numa verdadeira geografia fantástica em que a racionalidade urbana se emaranha com a ambivalência humana.

É esse mesmo clima de encantamento, apimentado por uma retórica singular, que encontramos em "A Cidade no Brasil", do antropólogo, poeta e tradutor Antonio Risério, que conviveu com Lina Bo Bardi e João Filgueiras, além de privar da amizade de urbanistas de peso.

Iniciando com as habitações ameríndias, Risério percorre a história urbana do país: revisita habitações coloniais; passa por quilombos e terreiros; denuncia práticas higienistas da Nova República; detém-se no traçado de Brasília, até alcançar nossas cidades congestionadas e segregadas.

Como diz o autor, não se trata de inventar a roda, mas de fazer um livro em diálogo com a bibliografia; um ensaio na tradição dos anos 1930, quando autores hoje consagrados elaboraram interpretações abrangentes sobre o país.

O resultado disso é um livro de reflexão solta, sem referências ou citações ociosas, mas nem por isso menos profundo.

Partindo da aposta de que "é na cidade que a sociedade se realiza em sua inteireza", nosso autor ajusta contas com a crise urbana nacional; recupera o largo debate sobre o tema, ao mesmo tempo em que não foge dele.

Discute, por exemplo, com Sergio Buarque de Holanda e sua conhecida oposição entre a cidade espanhola -racional- e a portuguesa -em desalinho-, cobrando do historiador mais "vontade construtiva do barroco".

Segundo Risério, por aqui os aglomerados foram sendo construídos na base da associação e dissociação. Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo -nenhuma das capitais escapa da lógica advinda de nossa formação misturada.

Os imigrantes virariam "brasileiros" nessa "terra das três raças", cuja mitologia cultural teria sido feita "de nossa força integradora". Otimista e defensor da mestiçagem, afirma que avessos à nostalgia legaremos ao mundo uma mensagem: "o know-how da convivência".

Intérprete que é intérprete não tem medo de arriscar, e esse é o caso de Risério. No entanto, seu comovente e generoso panorama lembra mais diversidade e dissenso do que happy end mestiço.

Vale louvar um autor sem medo de apostar na boa utopia do bem-estar comum.

Particularmente, prefiro conclusões menos apocalípticas, como o prudente conselho de Marco Polo: "De uma cidade não aproveitamos as suas sete ou 77 maravilhas, mas as respostas que dá às nossas perguntas".

LILIA MORITZ SCHWARCZ é antropóloga e historiadora, professora titular da USP e autora de "O Espetáculo das Raças" (Companhia das Letras), entre outros.

A CIDADE NO BRASIL
AUTOR Antonio Risério
EDITORA Editora 34
QUANTO R$ 49 (368 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

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