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Je t'aime, Haneke

'Amour' rende a Michael Haneke a 2ª Palma de Ouro de Cannes em quatro edições; 'Na Estrada, de Walter Salles, sai sem prêmios

Valery Hache/France Presse
O diretor Michael Haneke no palco do Palais des Festivals, ontem, em Cannes (França)
O diretor Michael Haneke no palco do Palais des Festivals, ontem, em Cannes (França)

RODRIGO SALEM
ENVIADO ESPECIAL A CANNES (FRANÇA)

A competição oficial do Festival de Cannes teve porcos mortos a queima-roupa, um assassinato filmado como balé, mulheres crucificadas e lutas violentas. Mas, no fim, como em um bom romance, o amor prevaleceu.

O delicado "Amour", do austríaco Michael Haneke, ganhou a Palma de Ouro em cerimônia realizada ontem, no Palais des Festivals.

O longa sobre um casal de idosos (Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva) lidando com a iminente morte da mulher já liderava as bolsas de apostas desde sua exibição, no dia 20. É a segunda Palma de Haneke, três anos depois de "A Fita Branca".

Mas houve espaço para surpresas. O mexicano Carlos Reygadas fez um dos filmes mais criticados da mostra, nunca esteve cotado para nenhum prêmio e levou como melhor diretor por "Post Tenebras Lux".

O romeno "Beyond The Hills", que dividia o favoritismo com "Amour", venceu nas categorias de atriz (troféu dividido por Cosmina Stratan e Cristina Flutur) e roteiro (do diretor Cristian Mungiu).

"Reality", de Matteo Garrone, foi agraciado com o Grande Prêmio do Júri, uma espécie de vice-campeonato em Cannes -o italiano recebeu a mesma distinção em 2008, por "Gomorra".

"Na Estrada", adaptação do brasileiro Walter Salles para a clássica narrativa "beat" de Jack Kerouac, deixou a competição sem prêmios.

HISTÓRIA SIMPLES

O festival realmente foi de Michael Haneke, nome conhecido pela secura que levou à Croisette seu trabalho mais sensível. "Quis contar a história mais simples possível depois de filmar 'A Fita Branca', um thriller mais complicado", disse o diretor à Folha.

Na verdade, "Amour", que deverá ser lançado no Brasil no segundo semestre, mostra-se simples para o cineasta, mas não há nada nele que mereça o adjetivo.

Em 2007, quando começou a trabalhar no roteiro do filme, Haneke viu o longa "Longe Dela", de Sarah Polley, com um tema semelhante, e desistiu do projeto.

"Eu estava com um bloqueio, e esse longa foi o álibi perfeito para eu desistir", revela Haneke. "Mas, assim que comecei a escrever outro roteiro, achei a solução e retornei para terminar 'Amour'."

Haneke faz questão de ressaltar que seu filme não é sobre morte ("Penso sobre isso como qualquer outra pessoa") ou eutanásia ("Não quero tirar a liberdade do espectador em ter suas próprias respostas sobre isso").

No entanto, sabe que "Amour" é um longa que destoa em seu currículo. "Jornalistas adoram rotular. Antigamente, eu era o diretor que só filmava violência. Agora, sou romântico", brinca.

A declaração não deixa de ser irônica, apesar de Haneke odiar ironias. O diretor fez um dos filmes mais brutais do cinema, "Violência Gratuita" (de 1997, refilmado pelo próprio em inglês em 2007), mas "Amour" é uma ilha de doçura em um festival marcado pela rudeza de "De Rouille Et d'Os", de Jacques Audiard, e "Killing them Softly", de Andrew Dominik.

"Há filmes doces como os de [Abbas] Kiarostami e [Alain] Resnais, mas há de fato um aumento da brutalidade nas telas", concorda.

"Um dia, vou sugerir que meus alunos [Haneke ensina direção na academia de cinema de Viena] façam um filme sobre como mudou a representação da morte no cinema", afirma. "Primeiro, as pessoas levavam um tiro e caíam. Depois, começaram a se contorcer de dor. Mais adiante, suas cabeças passaram a explodir. Isso ainda chegará ao ponto de explodirem a Terra. Não estou interessado nesse tipo de cinema."

E o que interessa Haneke depois de duas Palmas de Ouro? "Quero fazer o antídoto a tudo isso. Quero provocar as pessoas à reflexão", diz o cineasta, que só odeia uma coisa: analisar seus filmes. "Se a centopeia pensar em como anda, vai tropeçar e cair."

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