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Crítico ciclo de cinema

Mostra enfatiza contradições e lucidez da obra de Pasolini

O imemorial, para Pasolini, interessa porque não pode ser recordado; sobrevive, antes, enquanto força de resistência

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Antes e depois de sua morte, num assassinato brutal em 1975, Pier Paolo Pasolini carregou a aura do escândalo por ter sido sempre um homem "do contra".

O marxismo nos ideais e o homossexualismo no desejo fizeram do poeta e cineasta italiano um pária, atento e apaixonado por todo tipo de marginalidade e exclusão social e cultural.

Se estivesse vivo, Pasolini teria completado 90 anos no dia 5/3. Como homenagem, o MIS (Museu da Imagem e do Som) apresenta, a partir de amanhã, oportunidade para conhecer ou rever a faceta cinematográfica de Pasolini, em uma mostra que reúne nove títulos de sua filmografia.

Durante o evento, "O Evangelho Segundo São Mateus", "Teorema" e "Contos de Canterbury" serão exibidos em película, e os outros títulos, em DVD.

O MIS recebe também, até o dia 16, a exposição "O Evangelho Segundo Pier Paolo", composta por imagens de "As Mil e Uma Noites", filme programado no ciclo.

No dia 8, às 18h30, o fotógrafo italiano Roberto Villa apresenta a conferência "O Oriente de Pasolini". Villa acompanhou o cineasta nas filmagens de "As Mil e Uma Noites", em 1974, no Iêmen, e retratou o universo físico e a diversidade humana com um olhar complementar.

Os títulos programados nos permitem compreender o lugar e toda a dimensão do percurso pasoliniano no contexto dos anos 1960, fase de consolidação do que se convencionou chamar "cinema moderno".

Depois de amadurecer uma linguagem e um ideário como poeta, escritor e linguista, Pasolini aproximou-se do cinema ao longo dos anos 1950, primeiro como roteirista, assinando o texto de obras-primas de Federico Fellini e Mauro Bolognini.

EXPERIMENTAÇÕES

Nos 23 títulos que dirigiu, entre longas e curtas, documentários e ficções, Pasolini experimentou recursos visuais e narrativos. Com eles, acreditava, o cinema ultrapassa a escrita por ser capaz de reproduzir a realidade em sua materialidade, física e temporalmente, em vez de traduzi-la noutra linguagem.

Desde seus primeiros filmes, "Accatone" (1961) e "Mamma Roma" (1962), reconhece-se o diálogo com a tradição do neorrealismo e a vocação para pôr a nu as chagas sociais.

Ambas as obras, por sua vez, evidenciam a busca por uma linguagem autônoma, capaz de se entranhar na vida para arrancar algo vivo, em vez de apenas mimetizá-la e domá-la.

"A Ricota", episódio do longa coletivo "Ro.Go.Pa.G" (1963), e "O Evangelho Segundo São Mateus" dialogam com a matriz cristã sem para isso incorrerem em devoção.

E, se o primeiro faz uma crítica feroz da apropriação de Cristo como personagem do espetáculo da redenção, o segundo prioriza Jesus como um mito, parte em busca de sua originalidade e de seu papel como fundamento da cultura ocidental.

Daí em diante, cada instante da obra será fortalecido pela ênfase nas contradições, pela lucidez em expor a dinâmica por meio da qual o moderno devora o arcaico sem assimilá-lo.

Esse retorno ao passado não se confunde com nostalgia. O imemorial, para Pasolini, interessa porque não pode ser recordado nem assimilado. Sobrevive, antes de mais nada, enquanto força de resistência, um mistério que não se consome.

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