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Documenta de Kassel começa 'dramática'

Para diretora da mostra alemã, tempos absurdos tendem a levar artistas e intelectuais em direção ao surrealismo

Reunindo obras de 183 participantes, 13ª edição do evento permanecerá aberta ao público por cem dias

FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A KASSEL

"Eu já estou farta dessa vida, eu estou farta desse tempo", escreveu Charlote Salomon (1917-1943) em uma das 769 aquarelas exibidas no museu Friedricianum, um dos oito espaços em que ocorre a 13ª Documenta de Kassel, na Alemanha, que será aberta ao público hoje.

Na aquarela em questão, uma das 1.325 pintadas por ela entre 1941 e 1942, Salomon se autorretrata com as mão na cabeça, em sentido trágico. O conjunto foi feito como forma de superação do suicídio de sua mãe. Ela própria morreria no ano seguinte, perseguida por nazistas no campo de concentração de Auschwitz.

Esse sentimento de tragédia pessoal e histórica, retratado por Salomon, perpassa toda a Documenta. Foi um sentido dramático o que a diretora artística, Carolyn Christov-Bakargiev, atribui como característica do mundo contemporâneo.

"O mundo está louco, tudo é tão impossível de parecer justo ou coerente! Nós vivemos nesse mundo de riqueza absurda e pobreza absurda. A guerra ainda ocorre no Afeganistão, apesar de dizerem que acabou", disse a diretora em entrevista à Folha.

No entanto, não se trata apenas de uma mostra com obras melancólicas, já que a diretora aponta outras estratégias artísticas frente às crises. "Quando o mundo é absurdo, um intelectual tende a ir em direção ao surrealismo", defende Bakargiev.

Surgido nos anos 1920, o surrealismo enfatizou o inconsciente como força criativa e, por isso, suas obras misturavam elementos desconexos e um tanto sarcásticos, como na pintura "A Grande Paranoia", de Salvador Dali (1904-1989), presente nesta edição da mostra.

Assim, junto a obras dramáticas como as de Salomon, sua curadoria inclui um grande número de obras históricas surrealistas, como as do próprio Dali (1904-1989), além de Man Ray (1890-1976) e da brasileira Maria Martins (1894 - 1973), ao lado de produções contemporâneas.

Entra elas, está a performance da artista Ceal Floyear, que ficou roendo as unhas por cinco minutos, antes da entrevista coletiva, na terça, ação que será repetida várias vezes na mostra.

O tom surrealista também está na obra da brasileira Anna Maria Maiolino, um dos trabalhos considerados "extraordinários" pela diretora.

Ela colocou centenas de peças de barro feitas a mão sobre os móveis de uma casa de 1947, a mais antiga período pós-guerra, em Kassel, numa ação obsessiva, que durou duas semanas.

Mesclar obras modernistas, especialmente dos anos 1930 e 1940, a trabalhos contemporâneos faz sentido, segundo a diretora, por conta do contexto de sua produção.

"Se você pensa na história dos anos 1930, após a crise financeira de 1929, e nosso tempo, vemos analogias nas questões econômicas, culturais e sociais. Esses são tempos surrealistas".

Um dos eventos surrealistas mais comentados é a sessão de hipnose de Marcos Lutyens e Raimundas Malasauskas, que promete fogos de artifício físicos e mentais.

Com 183 artistas, a Documenta permanecerá aberta por cem dias em oitos instituições da cidade, além de ter 50 obras em pavilhões no parque Karlsaue, e intervenções em outros espaços.

Agigantada, confusa, impossível de ser vista em poucos dias, a mostra mistura a tristeza dos tempos de guerra com a esperança criativa surrealista. Na Alemanha, faz todo sentido.

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