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Crítica tragédia Roberto Alvim adapta texto de Ésquilo para cenografia radicalmente reduzida LUIZ FERNANDO RAMOSCRÍTICO DA FOLHA Cena mínima. "As Suplicantes", primeiro dos seis espetáculos que o Club Noir deve estrear neste ano a partir das sete tragédias de Ésquilo (525 a.C.-456 a.C.), reitera o foco do grupo na redução radical de elementos cênicos e numa estética antidramática, raras no atual teatro brasileiro. "As Suplicantes" é a obra inaugural do autor e demarca a teatralidade ocidental. Ali já se anuncia a forma do drama como apresentação de mitos arcaicos por meio de diálogos entre personagens e pontuada por um coro cantante e dançante que colabora para a narração. Na peça, o coro predomina ao lado de três personagens individuais. Conta a saga das filhas de Dânaos. Estas são descendentes de Io, a mortal por quem Zeus se apaixonou e que, transformada pela deusa Hera numa novilha, é fecundada pelo deus e foge para o Egito. A ação da tragédia começa quando as 50 filhas de Dânaos, quinta geração de herdeiros de Io e Zeus, chegam a Argos fugindo de seus 50 primos egípcios -filhos do irmão de Dânaos, Áígiptos, que querem desposá-las à força- e suplicam proteção do rei local. A adaptação de Roberto Alvim suprime qualquer referência ao universo mitológico e concentra-se em intensificar a percepção das palavras do antigo poeta. Depuradas de contexto histórico e sem a função coral de narrar, elas são potencializadas como último reduto de sentido. Sem enfatizar a trama e mais interessado no modo de as falas soarem, o encenador evita mastigar as ações em curso para o espectador e exige deles uma escuta fina. A síntese de toda a tragédia se dá de modo sutil, apenas na interlocução de um quinteto de vozes, com atores quase estáticos e parcamente iluminados por uma única lâmpada de luz fria. O notável no desenho da cena, toda em branco e preto e demarcada por uma estrutura vazada a que cabe afinal despir o espaço, é a surpreendente tensão que gera entre o silêncio e as falas milimetricamente enunciadas. O simples jogo de vultos postos em relação e criando linhas de força sugere um conflito indefinido. A violência divina e tribal de machos contra fêmeas dá lugar a vozes ambíguas de paternidades vagas: tirânicas ou libertadoras? Às lendas fixas, do tempo dos heróis, opõe-se o vazio vertiginoso de um presente prenhe de incertezas. Minimizando a narrativa e o drama dela advindo, Alvim, paradoxalmente, sintoniza um Ésquilo imprevisto.
AS SUPLICANTES |
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