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Crítica ensaio

Livro não ignora os excessos de George Steiner

"Tigres no Espelho" destaca prosa elegante e ansiosa de um dos principais colaboradores da revista "New Yorker"

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Estes artigos do crítico literário George Steiner constituem um guia confiável para quem tiver pouca ou nenhuma informação sobre autores como Jorge Luis Borges, Alexander Soljenitsin, Simone Weil, Elias Canetti ou Louis-Ferdinand Céline.

Alguns desses nomes eram certamente novidade nos Estados Unidos nas décadas de 1970 e 1980 -época em que mais da metade dos textos de "Tigres no Espelho" foi publicada, originalmente para a revista "New Yorker".

Mesmo com o relativo atraso brasileiro com relação às vogas literárias, poucos artigos deste livro trazem novidade para, digamos, o público que acompanha os lançamentos da Companhia das Letras nos últimos vinte anos.

Uma dessas exceções é o texto sobre "Il Giorno del Giudizio", um "romance antropológico" retratando a vida em um vilarejo da Sardenha, escrito por Salvatore Satta (1902-1975).

George Steiner é um crítico que sabe elogiar, e a maioria de seus textos é um convite para outras leituras.

Em "Nenhuma Paixão Desperdiçada" (Record, 2001), por exemplo, uma longa introdução à Bíblia é capaz de eliminar qualquer preguiça ou preconceito por parte do leitor moderno.

Não lhe falta, tampouco, a capacidade de contextualizar, com grande riqueza de referências, uma obra sobre a qual muito já foi dito.

Em "Tigres no Espelho", as fontes que inspiraram George Orwell para o clássico "1984" são balanceadas com precisão -e, já em tom mais crítico, Steiner relaciona a crueldade do autor ao sadismo de Jonathan Swift.

ELEGANTE E ANSIOSO

Apenas dois textos encontram Steiner em veia de desaprovação. O primeiro discorre sobre o pessimismo de E. M. Cioran, no qual se identifica -corretamente, mas com algum nervosismo- um forte componente de pose.

O pós-modernista John Barth também origina um artigo irritado em "Tigres no Espelho". O excesso de piadas eruditas e referências ocultas -que Steiner, como ninguém, é capaz de decifrar-parece-lhe de um narcisismo imperdoável.

Seja como for, a prosa lisa e admirativa de Steiner tende mais para o perfil jornalístico elegante do que para uma intervenção crítica pessoal.

Por vezes, o assunto justifica por si mesmo essa neutralidade -como no retrato de sir. Anthony Blunt, historiador da arte, conviva da rainha da Inglaterra e, ao mesmo tempo, espião soviético.

Quando se trata de autores conhecidos hoje em dia, como Lévi-Strauss (em artigo de 1974) ou Samuel Beckett (em texto de 1968), temos a impressão de um anfitrião excessivamente educado.

O autor se mostra ansioso por fazer apresentações e homenagens numa roda na qual ele próprio se sente inseguro -a saber, a dos leitores mais mundanos da "New Yorker".

Há uma certa obsequiosidade que cai por vezes no sentencioso e no banal.

Veja-se, por exemplo, esta frase sobre Arthur Koestler: "Existem em todas as eras e sociedades homens e mulheres que prestam um testemunho essencial, cujas sensibilidades pessoais e vidas individuais concentram e estampam em si os significados mais amplos da época".

O título do artigo, "La Morte d'Arthur", expressa bem -fazendo menção gratuita a um clássico do século 15- esse tipo de grã-finismo de consumo cultural.

Felizmente, não é um defeito em que Steiner incorra com frequência.

TIGRES NO ESPELHO
AUTOR George Steiner
EDITORA Globo Livros
TRADUÇÃO Denise Bottman
QUANTO R$ 54,90 (420 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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