Portuguesa foca trauma do fim do império

Dulce Maria Cardoso tinha 11 anos quando fugiu às pressas de Angola.

Assim como a família dela, outros 500 mil portugueses tiveram que deixar o país em 1975, temendo represálias, depois que os angolanos tornaram-se independentes de Portugal.

Cardoso chegara na África ainda bebê e conhecia Portugal apenas pelos livros.

De volta a Lisboa, sem amigos e em meio a uma dura crise financeira, Cardoso buscou abrigo nos livros e nas narrativas que criava.

Passados 37 anos desses fatos, a história da autora serve de mote para o romance "O Retorno", que ela lança agora no Brasil.

Cardoso participa na tarde de hoje de uma mesa na Flip. Uma das principais escritoras portuguesas da atualidade, recebeu na semana passada a condecoração da Ordem das Artes e das Letras, dada pelo governo francês.

A trama de "O Retorno" é narrada por Rui, um adolescente que também vive o fim do império português em Angola. O nome do personagem é uma referência a um amigo de infância cujos dois irmãos foram assassinados na guerra civil pela independência.

Como a autora, ele enfrenta inúmeros dilemas na nova vida em Lisboa.

"Antes éramos vistos como colonialistas que tinham estado na África para roubar os 'pretos'. Em Portugal, passamos a ser os que tinham vindo roubar os empregos da metrópole", conta Dulce.

"Mas é claro que o imperialismo português deveria ter acabado muitos antes. Em 1975 já era tarde demais para proteger quem merecia ser protegido e julgar quem merecia ser julgado."

A família da escritora voltou a Lisboa com algumas poucas malas e quase nenhum dinheiro. Por dois anos viveram alojados em um quarto de hotel.

"Mas o romance não é um ajuste de contas. É uma reflexão sobre a perda. O fim da minha infância coincidiu com o fim de um império de cinco séculos."

Por coincidência, "O Retorno" foi lançado num momento em que Portugal, como outros países da Europa, atravessa novamente uma grave crise financeira.

"Assim como 1975 foi o fim de um ciclo, agora vivemos o fim do ciclo do sonho europeu. Lamento que os governantes portugueses sejam em geral tão incompetentes e, muitas vezes, corruptos."

O RETORNO
AUTOR Dulce Maria Cardoso
EDITORA Tinta da China
QUANTO R$ 39 (272 págs.)