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Próxima Bienal consagra fotografia das coincidências

Obras de Hans Eijkelboom e Erica Baum constroem significados a partir de acasos da vida dos artistas

No Paraty em Foco, Peter Funch vai exibir série em que tenta anular noção de tempo, a 'mágica' do dia a dia

DE SÃO PAULO

Ele para num canto da praça do Patriarca, no centro de São Paulo. Parece ter o olhar perdido no horizonte, mas busca algo na multidão -números nas camisetas, nomes de bandas de rock, bolsas de um tipo ou de outro, estampas floridas, óculos escuros.

Hans Eijkelboom anda pelas cidades como um turista exótico, um loiro, alto, meio aparvalhado, às voltas com o disparador escondido no bolso da calça e a câmera fixada com fita adesiva sob a camisa, só com a lente para fora.

Num café perto dali, ele mostra as imagens que fez sem que ninguém notasse. "Passo um tempo olhando e vejo o que mais aparece, o que mais se repete, o tema do dia", conta Eijkelboom à Folha. "É bom sempre ter um sistema, dar um passeio já com regras para o passeio."

Em São Paulo, Eijkelboom notou que os adolescentes adoram camisetas com nomes de bandas, que muitas mulheres deixam a barriga à mostra e que executivos andam de terno e mochila.

"Estou procurando informação pura, não tento interferir na situação", diz o artista. "Tento dizer algo sobre as pessoas de São Paulo, mas também sobre as de Moscou, Paris, Xangai, Amsterdã."

No fundo, nas centenas de séries que fez nos últimos 20 anos, Eijkelboom tenta compor um retrato da sociedade a partir de suas banalidades.

Em contraponto ao trabalho do holandês, a Bienal de São Paulo vai mostrar retratos clássicos do alemão August Sander, que também focou a gente de seu tempo, fazendeiros, trabalhadores e mulheres no começo do século 20 -uma sociedade de personagens arquetípicos, fotografados sempre de frente e de forma um tanto crua.

"Na obra de Sander, existe essa autoridade, as pessoas presas ao trabalho e ao esforço", opina Eijkelboom. "Agora as pessoas tentam encontrar seu próprio lugar no mundo, é a diferença entre dois sistemas de sociedade."

POESIA ENCONTRADA

Outra fotógrafa escalada para a Bienal, a norte-americana Erica Baum, também sai em busca de sistemas e conjuntos de acasos em sua obra.

"Estudei antropologia, então me interesso por esses sistemas", diz Baum. "Busco algo entre a linguagem direta e uma referência externa, um tipo de poesia encontrada."

Baum começou fotografando os traços que ficavam na lousa depois de apagada, no momento entre uma aula e outra, como se tentasse congelar uma memória fugidia.

Depois, quando as bibliotecas começaram a aposentar suas fichas catalográficas, ela fotografou esses cartões, montando frases com palavras soltas datilografadas.

Ela justapõe, por exemplo, os termos "horrível" e "silêncio", mostra lado a lado as locuções "gestos úteis" e "gestos inúteis", ou "machado", "pés" e "figuras nuas".

"É uma nova sensibilidade que parte de algo que você ignora", diz Baum. "Isso dá um caráter documental a essa passagem do tempo, do fim das máquinas de escrever."

Peter Funch, do próximo Paraty em Foco, também vê elementos "belos" e "mágicos" nos acasos do cotidiano. Mas ao contrário de Baum e Eijkelboom, quer anular a noção de tempo em sua obra.

"Fotografia não é mais só uma imagem, quero uma fotografia que não tenha uma linha do tempo, um panorama quase cinematográfico", descreve Funch. "Imagens viraram circunstâncias e precisamos entender como são construídas."

(SILAS MARTÍ)

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