Índice geral Ilustrada
Ilustrada
Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Uma temporada no inferninho

Chester Brown retrata no gibi "Pagando por Sexo" sua decisão de não ter namoradas e se relacionar apenas com prostitutas

O quadrinista canadense Chester Brown
O quadrinista canadense Chester Brown

DIOGO BERCITO
DE SÃO PAULO

No final dos anos 1990, Chester Brown, 52, é puxado por duas forças concorrentes: o desejo de fazer sexo com frequência e a repulsa à ideia de ter uma namorada.

Puxa de um lado, puxa do outro, e o quadrinista canadense percebe que há uma solução para o impasse caso ele pague o preço -em dinheiro.

Brown passou, a partir de então, a se relacionar apenas com garotas de programa.

"Percebi que não gostava de estar envolvido em relacionamentos românticos", conta à Folha o quadrinista.

"Parece que você é dono da outra pessoa, e isso me deixava desconfortável."

A história dessa escolha é relatada no gibi "Pagando por Sexo", lançado no ano passado e editado agora no Brasil pela WMF Martins Fontes.

Está na HQ o relato de seus encontros com as prostitutas. A ejaculação precoce que teve com Carla, o vazio que sentiu depois de transar com Anne e o sexo desconfortável que fez com Susan.

As experiências são relatadas em detalhes. De Yvette, por exemplo, pensa: "Antipática, meio feinha, sem sexo oral... Nada de gorjeta".

A honestidade é uma das marcas da produção de Brown, um dos mais premiados quadrinistas do Canadá.

Ele é expoente de uma vertente canadense voltada à autobiografia, da qual "Pagando por Sexo" é exemplar.

Os artistas Joe Matt e Seth, que são retratados no gibi, fazem parte desse grupo. Ao lado de Brown, são chamados de os "três mosqueteiros dos quadrinhos alternativos".

"Se eu tivesse transformado a história em ficção, estaria me distanciando, dizendo que transar com prostitutas é algo que eu não faria", diz.

"Eu quis mostrar o quanto essa questão é importante para mim", afirma o artista.

Assumir-se como personagem e desenhar pessoas reais no gibi teve, porém, o preço do constrangimento.

Brown conta, por exemplo, que ficou nervoso na hora de mostrar o gibi para quem aparecia nele. "Mas parece que todos gostaram."

MILITÂNCIA

Depois de começar a pagar por sexo, Brown tornou-se um militante da descriminalização da prostituição -no Canadá, prostitutas não podem, por lei, receber os clientes em suas próprias casas.

Para animar a discussão, o gibi traz no apêndice uma sugestão de bibliografia e alguns tópicos para debate.

O quadrinista foi além do gibi, candidatando-se duas vezes ao Parlamento pelo Partido Libertário do Canadá, do qual tornou-se membro.

"Esse é o único partido que apoia a descriminalização", afirma, notando que "o governo não deveria regular nenhum tipo de relação sexual, envolvendo ou não dinheiro".

OPCIONAL

"Pagando por Sexo" é resultado de uma série de escolhas do artista canadense.

Mesmo a disposição dos quadrinhos é intencional. A grade fixa de oito cenas por página, incomum, foi um teste de diagramação. "Queria testar o formato", diz Brown.

Assim como foi uma opção dedicar-se exclusivamente às relações sexuais pagas.

O gibi retrata diversos dos embates de Brown sobre o tema com seus amigos próximos. Em muitos momentos o quadrinista é criticado, ridicularizado e contestado.

"Eles hoje reconhecem que o que eu faço funciona para mim, mesmo que não concordem com o ponto de vista."

"Amar não é comprometer-se num relacionamento de longo prazo sem transar com outras pessoas", afirma.

Brown mantém, há nove anos, uma relação com a mesma garota de programa.

"É uma situação muito feliz", afirma o quadrinista. "Ainda estou pagando -sei que ela não faria sexo comigo se eu não a pagasse."

Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.