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Peças retomam tradição de longas horas

Segundo a diretora Cibele Forjaz, obras de Shakespeare eram encontros em que as pessoas faziam piquenique

Atores têm rotina de atleta, com preparo para ficar em cena por períodos extensos sem perder a concentração

DA ENVIADA AO RIO

O estudante de teoria do teatro Jefferson Almeida, 24, passou o último final de semana vivenciando dramas.

No sábado, ele assistiu às sete horas de "O Idiota". No dia seguinte, acompanhou as cinco horas de encenação de "O Livro de Itens do Paciente Estevão", no espaço Sesc.

A maior dificuldade que Almeida enfrentou durante a maratona teatral foi a fome. "Mas aguentei, porque o barulho que faz a embalagem de biscoitos atrapalha o espetáculo", diz. "Também estou com o sono em dia."

Além de "bem dormido", é preciso ter disposição: a adaptação da Mundana Companhia para o clássico do russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881) desafia a concentração.

600 PÁGINAS

Na atual temporada carioca de "O Idiota", que se encerra neste domingo, os atores circulam por diversos espaços e andares da Fábrica Behring. Em sete horas, perde-se a conta das vezes em que é preciso levantar, sentar, seguir os personagens, subir e descer escadas.

"Um dos charmes da peça é justamente não assisti-la de um mesmo lugar o tempo todo", explica a diretora, Cibele Forjaz, 45.

"Dostoiévski escrevia num formato de folhetim. São 12 capítulos, cada um em um espaço diferente. Aproveitamos esta estrutura para pensar a montagem", conta ela.

Forjaz explica que, no caso de "O Idiota", era "impossível contar a história em menos tempo", porque o romance tem 600 páginas.

"Fizemos a adaptação a partir dos picos de tensão. Julgamos que sete horas é o tempo necessário para usufruir desta história."

BALADA SHAKESPEARE

Por mais mirabolante que pareça, as sete horas de "O Idiota" remontam a uma tradição que, segundo Forjaz, se perdeu ao longo do tempo.

"As encenações de Shakespeare duravam muito tempo. Era comum as pessoas fazerem piquenique durante o espetáculo", conta Forjaz. "Isso demanda mais da plateia, mas a experiência é mais intensa."

"Mesmo nos anos 1960, peças como as de Tennessee [Williams] ou de [Eugene] O'Neill eram longas e belíssimas", lembra o diretor Zé Celso Martinez Corrêa, 75.

Seu grupo, o do teatro Oficina, mantém vivo este legado em montagens famosas por serem extensas e, invariavelmente, terminarem em uma celebração.

"'Os Sertões' chegou a 27 horas, cinco dias, e foi um dos nossos maiores sucessos de bilheteria", diz Zé Celso. "Hoje, o desprezo com que o teatro é tratado se disfarça no monólogo, na peça de dois ou na bestificação de visão dos megaespetáculos tipo Cirque du Soleil. É um desprezo que o ser humano tem por si mesmo", critica ele.

ATLETAS EM CENA

Se da plateia são exigidos atenção e disposição, os atores têm de ter preparo de atleta. Leonardo Medeiros, 47, protagonista de "O Livro de Itens do Paciente Estevão", está o tempo todo em cena e é torturado, envolvido em plástico, despido e chutado, entre outras agruras.

"É um desgaste físico e emocional", conta Medeiros. "Passei três meses me resguardando para fazer a peça e tento me poupar."

Georgette Fadel, 38, do mesmo espetáculo, encerrou recentemente temporada de "Barafonda", peça de quatro horas, "mas gostaríamos que ela durasse 36". "Por mim, ficaria em cena o tempo todo", exagera Fadel.

A "tour de force", no entanto, tem seus adeptos. "Vim pensando em assistir metade. Cinco horas de peça assustam", disse Edna Machado, ao final de "O Livro". "Achei os atores maravilhosos. Não consegui sair antes do final." (ADRIANA FERREIRA SILVA)

O IDIOTA
QUANDO sex., sáb. e dom., às 17h
ONDE Fábrica Behring (r. Orestes, 28, Santo Cristo, Rio, tel. 0/XX/21/3622-4314)
QUANTO R$ 20
CLASSIFICAÇÃO 14 anos

O LIVRO DE ITENS...
QUANDO de qui. a sáb., às 19h, e dom., às 17h
ONDE Espaço Sesc (r. Domingos Ferreira, 160, Copacabana, Rio, tel. 0/XX/21/2547-0156)
QUANTO R$ 20
CLASSIFICAÇÃO 18 anos

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