Índice geral Ilustrada
Ilustrada
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Crítica por Ele

Escritora subjuga não o macho alfa, mas a situação erótica

Entre as necessidades pessoais que a autora conseguiu, estava a de falar de sexo e ser bem paga por isso

NELSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O best-seller "Cinquenta Tons de Cinza", como a maioria dos best-sellers, não é assunto para a crítica literária. Não há nada de literariamente inquietante ou desafiador no romance da estreante E.L. James. Nada que solicite o bisturi e o microscópio de um especialista nas artimanhas da ficção. Está tudo em paz.

Já o fenômeno mundial de vendas no qual o livro se transformou, este sim merece uns bons minutos de reflexão, porém da sociologia e da antropologia.

Reflexão pelo simples prazer da reflexão, pois fenômenos desse tipo são racionalmente inexplicáveis. É o que demonstra o físico Leonard Mlodinow, no também best-seller "O Andar do Bêbado".

Escrito por uma mulher de meia-idade, bem casada e mãe de dois adolescentes, "Cinquenta Tons de Cinza" é um conto de fadas contemporâneo. Anastasia Steele é a donzela inocente e submissa, Christian Grey é o príncipe rico e dominador.

Sobre a razão desse sucesso comercial, o que mais se escuta é que o romance realiza "a suprema fantasia feminina de ser subjugada e dominada por um macho alfa".

Mas não é preciso ser psicanalista para perceber que é exatamente o contrário disso. Se há um desejo feminino expresso no fenômeno E.L. James é o de subjugar não apenas um macho alfa, mas toda a situação erótica.

Nas sessões de sadomasoquismo, Christian é o dominador, Anastasia é a escrava sexual, mas quem manipula as marionetes é a autora.

É sua fantasia de fêmea alfa que está sendo apreciada por milhões de leitoras que gostariam de ser E.L. James, mulher comum com poderes de Afrodite.

Christian e Anastasia -generalizando: homens e mulheres- têm necessidades diferentes na cama. Tempos diferentes, volúpias diferentes. É claro que essa constatação, melhor expressa nas ficções de Anais Nin, não foi o gatilho do fenômeno E.L. James. Anais era libertina, transgressora; E. L. é comportada, convencional: eis o gatilho.

Entre as necessidades pessoais que a autora conseguiu satisfazer, estava a de falar de sexo e ser bem paga por isso. Para um dia, se não faltar coragem, poder satisfazer a fantasia suprema de todo primata evoluído: dominação total. Pagar por sexo. Ser plenamente satisfeita sem ter a obrigação de satisfazer. Fantasia que meninos realizam com muito mais frequência do que meninas. Por enquanto.

Se o "pornô para mamães" está realmente levando alegria sexual para mamães e simpatizantes, que venham mais e mais tons de todas as cores. Contra a chatice cotidiana, "abaixo a rotina doméstica!" não é uma reivindicação menos legítima do que "salvem a alta literatura!"

CINQUENTA TONS DE CINZA

AUTORA E.L. James

TRADUÇÃO Adalgisa Campos da Silva

EDITORA Intrínseca

QUANTO R$ 39,90 (480 págs.)

AVALIAÇÃO ruim

NELSON DE OLIVEIRA é doutor em letras pela USP e autor de "Poeira: Demônios e Maldições" (Língua Geral).

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.