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Crítica Romance

Dos Passos afirma literatura americana com "Paralelo 42"

Primeira parte de trilogia, obra tem domínio narrativo e estrutura complexa

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Paralelo 42", o primeiro volume da "Trilogia USA" (1930-1936), de John Dos Passos (1896-1970), escritor norte-americano de ascendência madeirense, continua a ser uma obra decisiva na afirmação do romance americano -por mais que tenha pesado contra o autor a sua virada política posterior, de militante comunista e membro da Comissão Dewey, em defesa de Trotsky, a apoiador de McCarthy e Nixon.

Há razões fortes para isso: "Paralelo 42" apresenta uma concepção experimental da forma, uma invenção convincente de temas chaves da história norte-americana e um domínio narrativo capaz de colocar energicamente, diante de nossos olhos, as mais diversas experiências.

Para falar sobre todas essas razões, convém espiar a estrutura complexa do romance, composta de quatro partes diversas, alternadas de maneira irregular.

A mais extensa delas é ocupada pelas histórias de cinco personagens fictícias (um gráfico socialista, uma secretária, um publicitário a serviço dos trustes, uma decoradora e um mecânico, todos se movimentando ao longo do território americano e de suas fronteiras).

Já a parte menor reúne biografias de nove personalidades eminentes da história americana nas duas primeiras décadas do século 20 (do líder trabalhista Gene Debs ao governador Bob La Follette, do Wisconsin, passando pelo botânico Luther Burbank e pelo inventor Thomas Edison, entre outros).

Há ainda uma seção chamada "Jornal da Tela", com 19 intervenções ao longo do livro, que reúne clippings de jornais da época, com manchetes em caixa alta, e trechos sucessivos e emendados de matérias, em baixa -tudo com pontuação irregular, além da incorporação de poemas e de letras de músicas.

E enfim, há uma seção nomeada "O Olho da Câmera", com 27 irrupções no romance, cada uma delas assentada sobre personagens anônimas, em situações com diferentes graus de tensão.

À complexidade estrutural se associa a variedade e novidade das técnicas modernistas aplicadas por Dos Passos.

Nas partes do "Olho", predomina a experimentação com o "fluxo de consciência"; no "Jornal" está a novidade mais exuberante da época: a técnica da "colagem", cujos efeitos podem ser descritos como caleidoscópicos ou cubistas, segundo se prefira acentuar a vertigem ou a geometria da composição.

Já nas biografias de personagens reais, destaca-se a cesura aparentemente aleatória, alternando-se frases telegráficas, citações e descrições de episódios significativos de suas vidas.

Esses são os aspectos formalmente mais vistosos, por assim dizer, do romance. Mas curiosamente, hoje, a parte mais extraordinária dele parece ser a mais convencionalmente efetuada. Aí se mostra a simples faculdade de narrar que, em Dos Passos, se vincula ao acompanhamento da vida de uma personagem, desde o seu nascimento até certa estabilização pessimista e contrária às convicções de juventude.

O movimento assimila tons e gêneros diversos -em especial, mescla romance de formação com aventuras de pícaro, pois, de ordinário, as personagens vagabundeiam por todo o território dos Estados Unidos, à mercê das ocasiões e oportunidades, tendo muitas vezes a fome, o desengano e a morte como situação de base.

Antes de tudo, porém, a narrativa de Dos Passos se concentra na ação, naquilo que as personagens fazem em meio a uma situação singular. Na ação se forma o caráter, as intrigas e debates, os nós e peripécias da trama. Desse ponto de vista, a prosa modernista de Dos Passos se vale vigorosamente do épico antigo: para saber o valor do que existe (ou o que é propriamente valor, seja pessoal ou coletivo) só se pode contrastar histórias a mais histórias.

PARALELO 42

AUTOR John Dos Passos

EDITORA Benvirá

TRADUÇÃO Marcos Santarrita

QUANTO R$ 44,90 (352 págs.)

AVALIAÇÃO ótimo

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária da Unicamp e autor de "Máquina de Gêneros" (Edusp).

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