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Crítica Romance

Obra transcende mito libertador americano

Livro preterido pelo Prêmio Pulitzer demonstra o menosprezo da indústria editorial por narrativas mais curtas

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Sonhos de Trem", de Denis Johnson, é um livro que merece justiça. Finalista do Pulitzer deste ano, acabou não levando o prêmio.

Ninguém o levou, na verdade, nem mesmo o romance póstumo de David Foster Wallace (1962-2008), "The Pale King" (o rei pálido), fenômeno que ocorrera pela última vez em 1977.

Wallace não o mereceu por inacabado -o calhamaço é resultado de um ajambramento hábil de seu editor Michael Pietsch. Certo, mas qual é a desculpa para este brilhante livrinho de Johnson não ter merecido a láurea?

Há diversas hipóteses. É um livro de encomenda, e, como se sabe, críticos não suportam encomendas (as alheias, pelo menos), e havia sido publicado em 2002 pela revista "Paris Review".

Outra explicação seria o fato de Johnson já ter ganhado o National Book Award em 2007 com seu estupendo "Árvore de Fumaça". E temos uma lógica perversa aqui: se o Pulitzer esnobou a tremenda saga de 700 páginas sobre o Vietnã, finalista do prêmio, por que premiaria seu sucedâneo, tão magrinho?

Por fim, há o inconveniente da curta extensão de "Sonhos de Trem", cuja edição brasileira mal atinge 85 páginas.

São argumentos estúpidos? Provavelmente, mas não desprovidos de sentido.

O menosprezo pela obra de curto fôlego, representada pelo conto e pela novela, está arraigado não apenas na indústria editorial, que não a publica com facilidade, mas na cultura literária ocidental.

O cúmulo disso é a caça permanente promovida pelo sistema ao "grande romance americano", um "Aleph" que reúna "zeitgeist" (espírito do tempo, em tradução livre), legibilidade, enfoque realista e a extensão de "Moby Dick".

Trata-se de oposição complementar à valorização do sintético como compreendida por japoneses, chineses e árabes através do pensamento breve e luminoso.

O fato é que a história de Robert Grainier, ex-ferroviário, charreteiro, e lenhador ermitão das matas "na estreita faixa de terra que forma o cabo da frigideira do mapa de Idaho", relatada sucintamente de 1917 até os anos 1960, é um "satori" (um pensamento breve e luminoso) que encapsula a formação do mito libertário norte-americano.

De modo ao mesmo tempo diverso e similar ao proposto pelo "Transcendentalismo" de Emerson e Thoreau, Grainier -em seu isolamento autoimposto após perder mulher e filha num incêndio que consumiu sua casa na floresta- é, respectivamente, naïf e intuitivo em seu retorno à natureza.

Registro candente do final de uma época em que o Paraíso estava "sob nossos pés assim como sobre nossas cabeças", no dizer de Thoreau, e do início de outra, dos EUA industriais, "Sonhos de Trem" merece que o leitor lhe faça justiça.

SONHOS DE TREM

AUTOR Denis Johnson

EDITORA Companhia das Letras

TRADUÇÃO Alexandre Barbosa de Souza

QUANTO R$ 34 (88 págs.)

AVALIAÇÃO ótimo

JOCA REINERS TERRON é autor de "Do Fundo do Poço se vê a Lua" (Companhia das Letras)

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